RELIGIOSIDADE NEGRA: RESISTÊNCIA POLÍTICO-CULTURAL

A religiosidade negra é rica e variada. No Brasil, os nossos ancestrais africanos enriqueceram a nossa cultura com diferentes expressões e formas de se relacionar com o mundo sobrenatural.
A relação com o mundo que podemos chamar de sobrenatural pode ser considerada como um universo do humano. Todos os grupos sociais, em diferentes épocas e espaços, constroem formas de se relacionar com o mundo desconhecido, na busca de caminhos e explicações que lhes ajudem a entender o enigma da vida e da morte, o sentido de ser e estar no mundo.
Homens e mulheres criam artefatos e constroem códigos, regras, leis que lhes possibilitem garantir a sobrevivência e a manutenção de seu grupo. Cada grupo produz sua cultura de acordo com suas necessidades e possibilidades, portanto não há como considerar uma expressão cultural superior ou inferior, melhor ou pior do que a outra, o mesmo se aplica à religiosidade. Essa dinâmica própria da cultura acontece de formas variadas, de acordo com o grupo cultural, contexto histórico, político e social em que se vive. Isso pode nos ajudar a entender o porquê de tantas expressões religiosas no mundo.
Tanto a religiosidade negra como outras expressões religiosas devem ser compreendidas como formas construídas, no interior da cultura, de estabelecimento de elos com o Criador, com o que está além do que costumamos considerar como mundo racional. Devem ser vistas como “experiências religiosas” e não como mero “credo religioso”. Tomadas como uma produção da humanidade, fruto das diversas formas de se relacionar com a natureza, busca dar explicações para questões que afetam a vida de todos/as e do modo como se estabelecem relações entre as pessoas e delas com o mundo.
Em contexto de dominação e opressão, os grupos constroem processos de resistência religiosa, que são também parte da cultura. A deportação dos/as africanos/as e a imposição do regime escravista acarretaram um processo de ressignificação mítico-religiosa, de atribuição de outros e novos significados às coisas e ao mundo que os rodeiam, por parte de nossos ancestrais com suas divindades e crenças. Esse é um processo comum nas situações de colonização ou dominação político-cultural. Os povos ditos dominantes e dominados, ao se encontrarem (ou “se chocarem”) passam por mudanças culturais que afetam a todos/as, de variadas formas. Porém, é muito comum pensarmos que somente os ditos “dominados” ou “colonizados” recebem interferências dos outros grupos ou modificam seus costumes, crenças e valores em função do contexto de opressão. Na realidade, as coisas não são bem assim. O processo cultural é dinâmico e a força da matriz religiosa é um fator muito importante na construção das identidades culturais.
Compreender a tradição religiosa afro-brasileira, recontar a história do povo negro na África pré-colonial, pós-colonial e, em nosso caso especifico, durante e após o regime escravista brasileiro significa compreender um passado que muitos de nós somos desconhecidos. Este passado e o modo como foi construído interfere e interferirá em nossas crenças e nas formas de inserção e vivência do mundo atual, seja enquanto negro, branco e indígenas brasileiros.
No Brasil, algumas tradições religiosas de matriz africana tornaram-se mais destacadas do que outras, entre elas pode-se citar o candomblé e a umbanda.
De acordo com Reginaldo Prandi (1996) a organização das religiões negras no Brasil deu-se no curso do século XIX. Uma vez que as últimas levas de africanos deportados durante o período final da escravidão foram fixadas, sobretudo nas cidades e em ocupações urbanas, os africanos desse período puderam viver um processo de interação que não conheceram antes. Nas cidades, estabeleciam um maior contato uns com os outros, com maior mobilidade e, de alguma maneira, com certa liberdade de movimento. Este fato propiciou condições sociais favoráveis para a sobrevivência de algumas práticas religiosas africanas, com a formação de grupos de culto organizados.
Até o final do século XIX tais religiões estavam consolidadas, mas continuavam a ser religiões étnicas dos grupos negros descendentes dos escravos. A partir dos anos 60 do século XX, as pessoas de origem não-africana começaram a professar o candomblé. Assim, o candomblé deixou de ser uma exclusiva do segmento negro, passando a ser uma religião de todos/as aqueles/as que se identificam com seus rituais, normas e cultos.
(...)
Sendo religião de matriz africana e praticada inicialmente somente pelos grupos negros, o candomblé sofreu (e ainda sofre) todas as interferências do racismo existente em nosso país. Quem de nós já não ouviu comentários de que as religiões afro-brasileiras significam algo espiritualmente negativo? Ou que não são religiões, mas sim, “seitas malignas”?
Segundo o antropólogo Vagner Gonçalves da Silva (1994), no candomblé, a forma de cultuar as divindades (seus nomes, cores, preferências por alimentos, louvações, cantos, dança e música) foi distinguida pelos negros segundo modelos de rito chamados de nação. Esse tipo de denominação é uma alusão significativa de que os terreiros, além de tentarem reproduzir os padrões africanos de culto, possuíam uma identidade grupal (étnica) como nos reinos da África.
Segundo esse autor, os sudaneses foram os grupos africanos que predominaram no século XIX, época em que as condições histórica, sociais e urbanas de perseguição aos cultos diminuíram em relação ao período colonial, no qual os povos bantos foram majoritários. Devido a esses fatores, a estrutura religiosa dos povos de língua ioruba legou ao candomblé sua infra-estrutura de organização, influenciada pelas contribuições de outros grupos étnicos. Desse processo, resultaram os dois modelos de cultos mais praticados o Brasil: o rito jeje- nagô e o angola.
O rito jeje-nagô abrange as nações nagôs ( keto, Ijesá, etc) e as jejes ( jeje-fon e jeje-marrin). Tal rito enfatiza o legado das religiões sudanesas. Nos terreiros onde esse rito é praticado geralmente cultuam-se orixás (divindades representadas essencialmente pela natureza), voduns, erê (espíritos infantis) e caboclos (espíritos indígenas)
Mas, as casas de culto (Ilê Axé) não são todas iguais e têm opiniões diferentes sobre a “originalidade e fidelidade africanas” do seu culto e de suas práticas. Sendo assim, os ilês onde prevalece o culto aos orixás são popularmente conhecidos como candomblé ketu; os de culto aos voduns são chamados de candomblé jeje.
No culto de natureza ketu os atabaques (instrumentos de percussão) são tocados com pequenas varinhas, canta-se para os orixás principalmente em dialeto africano (yorubá) e segundo os seus ritmos de som e dança característico.
Já o rito angola abrange principalmente o cerimonial congo e cabinda e procura enfatizar a herança das religiões dos povos bantos. Essa nação (...) cultua as divindades bantos, denominadas de inquices, os vunjes (espíritos infantis) e os caboclos. Os templos dessa nação são chamados de candomblé de angola e, durante o culto, os atabaques são tocados com as mãos. Sendo estes cânticos na língua banta. Algumas casas de que tem nessa pratica seu culto mescla o banto com o português.
Devido ao grande fluxo e dispersão dos povos bantos no Brasil, o candomblé de angola espalhou-se por quase todo o país. Em alguns estados, em fins do século XIX, essa prática religiosa que sempre esteve aberta às influências católicas e ameríndias, recebeu nomes diferentes como cabula no Espírito Santo, macumba, no Rio de Janeiro, e candomblé de caboclo, na Bahia. É claro que em muitos lugares esses cultos também foram marcados pelas influências do rito jeje- nagô e, nesse caso, não pode-se afirmar ao certo qual dessas foi predominante. (...) (In: MUNANGA, Kabengele & GOMES, Nilma Lino. Para Entender o Negro no Brasil de Hoje: História, Realidades, Problemas e Caminhos. Coleção Viver e Aprender – Educação de Jovens e Adultos 2º Segmento de Ensino Fundamental. Ed. Global e Ação Educativa, 2004)
Homens e mulheres criam artefatos e constroem códigos, regras, leis que lhes possibilitem garantir a sobrevivência e a manutenção de seu grupo. Cada grupo produz sua cultura de acordo com suas necessidades e possibilidades, portanto não há como considerar uma expressão cultural superior ou inferior, melhor ou pior do que a outra, o mesmo se aplica à religiosidade. Essa dinâmica própria da cultura acontece de formas variadas, de acordo com o grupo cultural, contexto histórico, político e social em que se vive. Isso pode nos ajudar a entender o porquê de tantas expressões religiosas no mundo.
Tanto a religiosidade negra como outras expressões religiosas devem ser compreendidas como formas construídas, no interior da cultura, de estabelecimento de elos com o Criador, com o que está além do que costumamos considerar como mundo racional. Devem ser vistas como “experiências religiosas” e não como mero “credo religioso”. Tomadas como uma produção da humanidade, fruto das diversas formas de se relacionar com a natureza, busca dar explicações para questões que afetam a vida de todos/as e do modo como se estabelecem relações entre as pessoas e delas com o mundo.
Em contexto de dominação e opressão, os grupos constroem processos de resistência religiosa, que são também parte da cultura. A deportação dos/as africanos/as e a imposição do regime escravista acarretaram um processo de ressignificação mítico-religiosa, de atribuição de outros e novos significados às coisas e ao mundo que os rodeiam, por parte de nossos ancestrais com suas divindades e crenças. Esse é um processo comum nas situações de colonização ou dominação político-cultural. Os povos ditos dominantes e dominados, ao se encontrarem (ou “se chocarem”) passam por mudanças culturais que afetam a todos/as, de variadas formas. Porém, é muito comum pensarmos que somente os ditos “dominados” ou “colonizados” recebem interferências dos outros grupos ou modificam seus costumes, crenças e valores em função do contexto de opressão. Na realidade, as coisas não são bem assim. O processo cultural é dinâmico e a força da matriz religiosa é um fator muito importante na construção das identidades culturais.
Compreender a tradição religiosa afro-brasileira, recontar a história do povo negro na África pré-colonial, pós-colonial e, em nosso caso especifico, durante e após o regime escravista brasileiro significa compreender um passado que muitos de nós somos desconhecidos. Este passado e o modo como foi construído interfere e interferirá em nossas crenças e nas formas de inserção e vivência do mundo atual, seja enquanto negro, branco e indígenas brasileiros.
No Brasil, algumas tradições religiosas de matriz africana tornaram-se mais destacadas do que outras, entre elas pode-se citar o candomblé e a umbanda.
O CANDOMBLÉ
O candomblé e demais religiões afro-brasileiras tradicionais formaram-se em diferentes áreas do Brasil, com variados ritos e com nomes locais derivados de tradições africanas diversas: candomblé na Bahia, xangô em Pernambuco e Alagoas, tambor de mina no Maranhão e Pará, batuque no Rio Grande do Sul.De acordo com Reginaldo Prandi (1996) a organização das religiões negras no Brasil deu-se no curso do século XIX. Uma vez que as últimas levas de africanos deportados durante o período final da escravidão foram fixadas, sobretudo nas cidades e em ocupações urbanas, os africanos desse período puderam viver um processo de interação que não conheceram antes. Nas cidades, estabeleciam um maior contato uns com os outros, com maior mobilidade e, de alguma maneira, com certa liberdade de movimento. Este fato propiciou condições sociais favoráveis para a sobrevivência de algumas práticas religiosas africanas, com a formação de grupos de culto organizados.
Até o final do século XIX tais religiões estavam consolidadas, mas continuavam a ser religiões étnicas dos grupos negros descendentes dos escravos. A partir dos anos 60 do século XX, as pessoas de origem não-africana começaram a professar o candomblé. Assim, o candomblé deixou de ser uma exclusiva do segmento negro, passando a ser uma religião de todos/as aqueles/as que se identificam com seus rituais, normas e cultos.
(...)
Sendo religião de matriz africana e praticada inicialmente somente pelos grupos negros, o candomblé sofreu (e ainda sofre) todas as interferências do racismo existente em nosso país. Quem de nós já não ouviu comentários de que as religiões afro-brasileiras significam algo espiritualmente negativo? Ou que não são religiões, mas sim, “seitas malignas”?
Segundo o antropólogo Vagner Gonçalves da Silva (1994), no candomblé, a forma de cultuar as divindades (seus nomes, cores, preferências por alimentos, louvações, cantos, dança e música) foi distinguida pelos negros segundo modelos de rito chamados de nação. Esse tipo de denominação é uma alusão significativa de que os terreiros, além de tentarem reproduzir os padrões africanos de culto, possuíam uma identidade grupal (étnica) como nos reinos da África.
Segundo esse autor, os sudaneses foram os grupos africanos que predominaram no século XIX, época em que as condições histórica, sociais e urbanas de perseguição aos cultos diminuíram em relação ao período colonial, no qual os povos bantos foram majoritários. Devido a esses fatores, a estrutura religiosa dos povos de língua ioruba legou ao candomblé sua infra-estrutura de organização, influenciada pelas contribuições de outros grupos étnicos. Desse processo, resultaram os dois modelos de cultos mais praticados o Brasil: o rito jeje- nagô e o angola.
O rito jeje-nagô abrange as nações nagôs ( keto, Ijesá, etc) e as jejes ( jeje-fon e jeje-marrin). Tal rito enfatiza o legado das religiões sudanesas. Nos terreiros onde esse rito é praticado geralmente cultuam-se orixás (divindades representadas essencialmente pela natureza), voduns, erê (espíritos infantis) e caboclos (espíritos indígenas)
Mas, as casas de culto (Ilê Axé) não são todas iguais e têm opiniões diferentes sobre a “originalidade e fidelidade africanas” do seu culto e de suas práticas. Sendo assim, os ilês onde prevalece o culto aos orixás são popularmente conhecidos como candomblé ketu; os de culto aos voduns são chamados de candomblé jeje.
No culto de natureza ketu os atabaques (instrumentos de percussão) são tocados com pequenas varinhas, canta-se para os orixás principalmente em dialeto africano (yorubá) e segundo os seus ritmos de som e dança característico.
Já o rito angola abrange principalmente o cerimonial congo e cabinda e procura enfatizar a herança das religiões dos povos bantos. Essa nação (...) cultua as divindades bantos, denominadas de inquices, os vunjes (espíritos infantis) e os caboclos. Os templos dessa nação são chamados de candomblé de angola e, durante o culto, os atabaques são tocados com as mãos. Sendo estes cânticos na língua banta. Algumas casas de que tem nessa pratica seu culto mescla o banto com o português.
Devido ao grande fluxo e dispersão dos povos bantos no Brasil, o candomblé de angola espalhou-se por quase todo o país. Em alguns estados, em fins do século XIX, essa prática religiosa que sempre esteve aberta às influências católicas e ameríndias, recebeu nomes diferentes como cabula no Espírito Santo, macumba, no Rio de Janeiro, e candomblé de caboclo, na Bahia. É claro que em muitos lugares esses cultos também foram marcados pelas influências do rito jeje- nagô e, nesse caso, não pode-se afirmar ao certo qual dessas foi predominante. (...) (In: MUNANGA, Kabengele & GOMES, Nilma Lino. Para Entender o Negro no Brasil de Hoje: História, Realidades, Problemas e Caminhos. Coleção Viver e Aprender – Educação de Jovens e Adultos 2º Segmento de Ensino Fundamental. Ed. Global e Ação Educativa, 2004)
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