Por Ronilda Iyakemi Ribeiro
Para o africano, o universo visível é concebido como concretização ou envoltório de um universo invisível, de forças em contínuo e eterno movimento. Vimos também que todas as condutas incluem relações com seres da dimensão supra-sensível. A participação na trama social, cujo início coincide com o nascimento e cujo término coincide com a morte, é tida como uma parte da existência global do homem, ser oriundo da dimensão espiritual à qual retornará após a morte. Nascimento e morte incluem-se entre tantos outros acontecimentos críticos da existência e são marcados por ritos de passagem.
Cada ser humano que chega ao mundo, como um mensageiro da “outra dimensão”, manifesta o sagrado, não sendo visto apenas como produto dos pais. Recebido com respeito, seu nome deve ser descoberto e não inventado. Pronunciá-lo é saudar esse ser celeste e convidá-lo para habitar a sociedade dos homens. (Erny, 1968:68)
Antes do nascimento da criança seus pais consultam o oráculo para conhecerem a procedência espiritual do filho e ao educá-lo levam em consideração que ao educador é reservada a tarefa de favorecer o processo de saída da borboleta de sua crisálida e de zelar para que não seja sufocada antes de ver o dia. Consideram que não é o educador que cria a borboleta com suas belas cores. Estas chegam até ele de longe, refletem a passagem através do cosmos. Traz muito mais do que o educador poderia lhe oferecer. Renova os que a recebem, os rejuvenesce, restaura, regenera. (p. 82)
O retorno ao mundo numinoso, à dimensão espiritual ocorre por ocasião da morte. Iku, a morte, símbolo masculino associado ao mito da gênese do ser humano, restitui à terra o que lhe pertence, agindo pois, como instrumento indispensável de restituição e de renascimento.
A passagem pela morte física é marcada por ritos fúnebres
complexos, de importância fundamental para o bem-estar do ser em sua nova condição de existência20. O ser que cumpre integralmente seu ipin ori (destino do ori), amadurece para a morte e, recebendo ritos fúnebres adequados, alcança a condição de ancestral ao passar do aiye para o orun. Em outras palavras, a pessoa somente alcança a posição de ancestral se vive uma boa vida, tem boa morte em idade avançada e recebe ritos fúnebres adequados. Considera-se boa vida a conduzida segundo princípios morais, ocupando o caráter pessoal posição de relevância nessa conquista. Segundo Dopamu (1990), o homem em sua luta constante contra o mal – situado fora e dentro de si mesmo - tem por couraça o próprio caráter. Boa vida é a conduzida segundo os princípios de um bom caráter, que privilegiam interesses de ordem grupal em relação aos individuais. Boa morte é a natural, ocorrida em idade avançada, não sendo consideradas boas mortes, a do suicida, do acidentado, do afogado, do louco, do leproso, de crianças, jovens, mulheres grávidas e mulheres ao dar à luz.
Muitos podem ser os destinos após a morte: o espírito pode reencarnar depois de algum tempo, de acordo com um plano divino, efetuando um reencarne legítimo. Pode também, reencarnar de modo ilegítimo ou ilegal - ocupando um corpo de embrião que não está sendo formado para ele: o verdadeiro dono do corpo é expulso e o usurpador ocupa seu lugar por toda a encarnação. Algumas pessoas crêem que o outro mundo é neste planeta mesmo – os que morrem em determinado lugar passam a viver em outro, permanecendo ainda na terra, às vezes com o mesmo corpo. Tais pessoas, chamadas aku-da-aya, levam vida normal em seus novos locais de moradia, trabalhando, casando e tendo filhos. Invisíveis aos olhos de parentes e amigos, permanecem em outra localidade até o momento de morrer novamente ou até que ocorra um fato determinante de nova mudança de lugar, em condições análogas. Os aku-daaya são reconhecíveis por viverem longo tempo numa comunidade sem falar a respeito da própria origem e sem receber visitas. Outras pessoas crêem que enquanto os prematuramente mortos continuam vagando na terra, os de idade avançada rumam para o mundo espiritual.
Outros ainda, afirmam que pessoas más ou que sofreram má morte não encontram lugar no mundo espiritual, necessitando prolongar suas vidas na terra. Fantasmas dessas pessoas podem ocupar corpos de animais, répteis, pássaros ou árvores, por não encontrarem lugar para si no mundo espiritual.
Há, ainda, a crença na existência de duas áreas ocupadas por espíritos de mortos: orun rere - o bom céu, habitado pelas divindades e ancestrais e orun apaadi - o céu de muitas infelicidades, habitado pelos infelizes que sofreram má morte e pelos maus, julgados pelo Ser Supremo, segundo seu caráter. Terrível é o destino destes últimos: sem desfrutar da companhia dos ancestrais, sem direito à reencarnação nem à lembrança, ficam condenados à solidão e ao esquecimento. A eles não é reservado sequer o direito de aparecerem em sonhos ou visões. Morrem totalmente. Orun rere, por outro lado, é sereno e prazeroso. Vivendo ao lado dos ancestrais, sendo um deles, podem permanecer junto aos familiares, intervindo em suas atividades diárias. Também lhes é permitido reencarnar em alguma criança do âmbito
familiar. A vida no orun rere é de interminável companheirismo, numa comunidade composta de parentes e amigos.
Os ritos fúnebres podem variar segundo a religião professada pela família do falecido, mas a festa fúnebre é tradição respeitada por todos. Se a pessoa morre em idade avançada é homenageada com grandes festas que, realizadas na rua ou ruas próximas à casa, chegam a reunir mais de quinhentos convidados. Havendo condições econômicas, a família contrata cantores. Caso contrário, aluga aparelhos de som. A festa tem início após o enterro, no dia seguinte ao da morte e pode durar até vinte e quatro horas, com comida farta, bebida abundante e muita dança. No terceiro dia após a morte, a família prepara bastante akara e distribui aos amigos na rua. No oitavo e quadragésimo dia repetem-se os festejos, sendo o último e mais grandioso, denominado Festa Final. A má morte não é festejada. Exceção única a isso, constitui a festa por ocasião da morte dos velhos, qualquer que tenha sido suacircunstância.
Muitos enterros são realizados na área externa da casa - na frente, ao lado ou no quintal dos fundos. Construído o túmulo, o morto é ali enterrado e ali permanece, perto de seus familiares. Em sua proximidade brincam as crianças, ciscam as galinhas e desenvolve-se a rotina doméstica. Elbein dos Santos (1986) ouviu, entre os babalaôs da Nigéria, descrições do orun como sendo composto de nove espaços. Ifatoogun, de Osogbo, um dos sacerdotes versados nos mistérios oraculares, descreveu os nove espaços do orun como superpostos, coincidindo o espaço central com a terra, permanecendo quatro abaixo e quatro acima dele. Os nove compartimentos formam um todo, unem-se através do opo-orun oun aiyé, pilar que liga o orun ao aiye.
Na prática da Religião Tradicional Iorubá os cultos são regulares e deles faz parte o sacrifício - alimentos, bebidas, animais, legumes e frutas – orientado pelo oráculo e realizado em obediência às preferências alimentares e tabus das divindades homenageadas. (RIBEIRO, Ronilda Iyakemi. Alma Africana no Brasil- Os iorubas. Salvador-BA, Ed. Oduduwa,1996.p. 58 a 59)
Cada ser humano que chega ao mundo, como um mensageiro da “outra dimensão”, manifesta o sagrado, não sendo visto apenas como produto dos pais. Recebido com respeito, seu nome deve ser descoberto e não inventado. Pronunciá-lo é saudar esse ser celeste e convidá-lo para habitar a sociedade dos homens. (Erny, 1968:68)
Antes do nascimento da criança seus pais consultam o oráculo para conhecerem a procedência espiritual do filho e ao educá-lo levam em consideração que ao educador é reservada a tarefa de favorecer o processo de saída da borboleta de sua crisálida e de zelar para que não seja sufocada antes de ver o dia. Consideram que não é o educador que cria a borboleta com suas belas cores. Estas chegam até ele de longe, refletem a passagem através do cosmos. Traz muito mais do que o educador poderia lhe oferecer. Renova os que a recebem, os rejuvenesce, restaura, regenera. (p. 82)
O retorno ao mundo numinoso, à dimensão espiritual ocorre por ocasião da morte. Iku, a morte, símbolo masculino associado ao mito da gênese do ser humano, restitui à terra o que lhe pertence, agindo pois, como instrumento indispensável de restituição e de renascimento.
A passagem pela morte física é marcada por ritos fúnebres

Muitos podem ser os destinos após a morte: o espírito pode reencarnar depois de algum tempo, de acordo com um plano divino, efetuando um reencarne legítimo. Pode também, reencarnar de modo ilegítimo ou ilegal - ocupando um corpo de embrião que não está sendo formado para ele: o verdadeiro dono do corpo é expulso e o usurpador ocupa seu lugar por toda a encarnação. Algumas pessoas crêem que o outro mundo é neste planeta mesmo – os que morrem em determinado lugar passam a viver em outro, permanecendo ainda na terra, às vezes com o mesmo corpo. Tais pessoas, chamadas aku-da-aya, levam vida normal em seus novos locais de moradia, trabalhando, casando e tendo filhos. Invisíveis aos olhos de parentes e amigos, permanecem em outra localidade até o momento de morrer novamente ou até que ocorra um fato determinante de nova mudança de lugar, em condições análogas. Os aku-daaya são reconhecíveis por viverem longo tempo numa comunidade sem falar a respeito da própria origem e sem receber visitas. Outras pessoas crêem que enquanto os prematuramente mortos continuam vagando na terra, os de idade avançada rumam para o mundo espiritual.
Outros ainda, afirmam que pessoas más ou que sofreram má morte não encontram lugar no mundo espiritual, necessitando prolongar suas vidas na terra. Fantasmas dessas pessoas podem ocupar corpos de animais, répteis, pássaros ou árvores, por não encontrarem lugar para si no mundo espiritual.
Há, ainda, a crença na existência de duas áreas ocupadas por espíritos de mortos: orun rere - o bom céu, habitado pelas divindades e ancestrais e orun apaadi - o céu de muitas infelicidades, habitado pelos infelizes que sofreram má morte e pelos maus, julgados pelo Ser Supremo, segundo seu caráter. Terrível é o destino destes últimos: sem desfrutar da companhia dos ancestrais, sem direito à reencarnação nem à lembrança, ficam condenados à solidão e ao esquecimento. A eles não é reservado sequer o direito de aparecerem em sonhos ou visões. Morrem totalmente. Orun rere, por outro lado, é sereno e prazeroso. Vivendo ao lado dos ancestrais, sendo um deles, podem permanecer junto aos familiares, intervindo em suas atividades diárias. Também lhes é permitido reencarnar em alguma criança do âmbito
familiar. A vida no orun rere é de interminável companheirismo, numa comunidade composta de parentes e amigos.
Os ritos fúnebres podem variar segundo a religião professada pela família do falecido, mas a festa fúnebre é tradição respeitada por todos. Se a pessoa morre em idade avançada é homenageada com grandes festas que, realizadas na rua ou ruas próximas à casa, chegam a reunir mais de quinhentos convidados. Havendo condições econômicas, a família contrata cantores. Caso contrário, aluga aparelhos de som. A festa tem início após o enterro, no dia seguinte ao da morte e pode durar até vinte e quatro horas, com comida farta, bebida abundante e muita dança. No terceiro dia após a morte, a família prepara bastante akara e distribui aos amigos na rua. No oitavo e quadragésimo dia repetem-se os festejos, sendo o último e mais grandioso, denominado Festa Final. A má morte não é festejada. Exceção única a isso, constitui a festa por ocasião da morte dos velhos, qualquer que tenha sido suacircunstância.
Muitos enterros são realizados na área externa da casa - na frente, ao lado ou no quintal dos fundos. Construído o túmulo, o morto é ali enterrado e ali permanece, perto de seus familiares. Em sua proximidade brincam as crianças, ciscam as galinhas e desenvolve-se a rotina doméstica. Elbein dos Santos (1986) ouviu, entre os babalaôs da Nigéria, descrições do orun como sendo composto de nove espaços. Ifatoogun, de Osogbo, um dos sacerdotes versados nos mistérios oraculares, descreveu os nove espaços do orun como superpostos, coincidindo o espaço central com a terra, permanecendo quatro abaixo e quatro acima dele. Os nove compartimentos formam um todo, unem-se através do opo-orun oun aiyé, pilar que liga o orun ao aiye.
Na prática da Religião Tradicional Iorubá os cultos são regulares e deles faz parte o sacrifício - alimentos, bebidas, animais, legumes e frutas – orientado pelo oráculo e realizado em obediência às preferências alimentares e tabus das divindades homenageadas. (RIBEIRO, Ronilda Iyakemi. Alma Africana no Brasil- Os iorubas. Salvador-BA, Ed. Oduduwa,1996.p. 58 a 59)
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