Por: Ronilda Iyakemi Ribeiro
Bastide (1971) traçou uma geografia das
religiões africanas no Brasil. De um modo geral, nesse conjunto identificam-se
duas grandes vertentes: a que deu origem aos candomblés e xangôs e outra que
originou os candomblés de caboclo e candomblés de angola. No contexto urbano,
sujeitos a novas influências do catolicismo e do espiritismo de Allan Kardec,
surgiu a umbanda.
O
termo candomblé, usado para designar tradições e cultos religiosos de nações do
grupo sudanês, designava inicialmente danças religiosas e profanas. A
denominação xangô, usada em Pernambuco, nas referências ao local de culto e aos
próprios rituais, aponta para a importância desse orixá naquela região. Vejamos
algumas particularidades do Candomblé e da Umbanda.
Candomblé
Desde o início da escravidão, africanos de
distintas origens étnicas uniram-se para realizar cultos religiosos e rituais
mágicos que dariam origem ao candomblé. Essa denominação origina-se do termo
Kandombile (culto e oração). Segundo Carneiro (1969), somente em 1830 o
candomblé surgiria oficialmente no Engenho Velho, na Bahia. O Engenho Velho,
fundado por três mulheres negras - Iyá Dêtá, Iyá Kalá e Iyá Nassô, viria a
dividir-se posteriormente em função de lutas pelo poder.
Proibido pelas autoridades civis e
religiosas, sua prática tornou-se oculta, provocando aumento no preconceito em
relação a ele. A identificação das nações de candomblé baseia-se no
reconhecimento do idioma utilizado: nomes dos orixás, alimentos e roupas,
cânticos rituais e histórias apresentando elementos do idioma ewe, indicam tratar-se de nação jeje; se em vez de ewe, usam-se elementos
do iorubá, sua identidade é kêtu e nagô. Segundo Lody (1987), as nações
foram organizadas em: Kêtu-nagô - iorubá;
Jexá ou Ijexá - iorubá; Jeje - fon; Angola - banto; Congo
-banto; Angola-Congo - banto; Caboclo - modelo afro-brasileiro.
O termo jeje-nagô indicador da união de
elementos iorubás e fon, refere-se a um tipo de candomblé mais próximo dos
ideais africanos. Como variante desse termo temos o nagô vodum, tentativa de
união entre cultos aos orixás e culto aos voduns. Possuímos excelentes estudos
de caráter etnográfico e histórico sobre o candomblé. Não tendo por objetivo
deter-me em suas particularidades no presente contexto, remeto os leitores interessados
por esse tema ao trabalho de outros pesquisadores. A respeito da história do Candomblé
constituem boas fontes, entre outras, os trabalhos de Carneiro (1969) - Candomblés
da Bahia; Lody (1987) - Candomblé. Religião e Resistência Cultural; Verger (1954,
1957, 1968), particularmente o Notes sur le Culte des Orisa et Vodun à Bahia, la Baie de tous les Saints, au
Brésil et à l'ancienne Côte des Esclaves en Afrique (1957) e Bastide (1971 e
1978) - As religiões africanas no Brasil e O candomblé da Bahia (Rito Nagô) .
Sobre o candomblé na Bahia, além das obras já citadas, constituem excelentes
trabalhos os de Juana Elbein dos Santos (1986), particularmente Os Nagô e a
Morte: Pàdè, Àsèsè e o Culto de Égun na Bahia e o documento histórico e
etnográfico do Ile Ase Opó Àfonjá, intitulado Meu tempo é agora de Maria Stella
de Azevedo Santos (1993), a Mãe Stella de Osoosi. A respeito do candomblé em São Paulo, Reginaldo
Prandi (1991), reúne dados em
Os Candomblés de São Paulo. Entre os trabalhos significativos
mais recentes incluem-se O segredo das folhas. Sistema de Classificação de
Vegetais no Candomblé Jêje-Nagô do Brasil, de Barros (1993) e A Galinha
d'Angola. Iniciação e Identidade na Cultura Afro-Brasileira de Vogel e
colaboradores (1993).
Umbanda
Na Umbanda ocorre, conforme mencionado
acima, o encontro de elementos de múltiplas origens étnicas e religiosas. Num
altar ou congá encontramos imagens cristãs, budistas, tradicionais africanas,
além da representação de personagens como índios, pretos-velhos, marinheiros,
ciganos, crianças (ere) etc. As orações incluem cânticos em português aos
orixás e rezas cristãs como o Pai Nosso e a Ave Maria. No dizer de Magnani
(1986:13), a umbanda certamente não é uma espécie de degeneração de antigos
cultos africanos ou do espiritismo Kardecista e sim o resultado de um processo
de reelaboração, em determinada conjuntura histórica, de ritos, mitos e
símbolos que adquirem novos significados no interior de uma nova estrutura.
É sabido que os africanos escravizados,
proibidos de expressar suas crenças religiosas consideradas práticas de
feitiçaria, podiam, entretanto, cantar e dançar músicas profanas.
Associados em nações, batuques, confrarias,
cerimônias mortuárias, toleradas pelo regime escravista, aí encontraram espaço
para a preservação e transformação de suas crenças e de seus mitos expressos em ritos. Chamados,
simultaneamente, a organizarem-se em confrarias e irmandades católicas, como a
dos Homens Pretos, por exemplo, podiam cultuar suas próprias divindades ao
prostrarem-se diante de ícones cristãos, construindo correspondências entre
eles: Santa Bárbara, protetora dos homens nas tempestades, relacionou-se a Oya,
senhora dos ventos e tempestades; São Jorge, vencedor do dragão infernal,
relacionou-se a Ogum, guerreiro, senhor dos metais; Sant'Ana, a avó de Jesus
associou-se a Nanã Buruku, um dos orixás mais antigos da tradição iorubá; Nossa
Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, cuja imagem foi encontrada num rio,
foi associada a Oxum, senhora das águas doces.
Nas cerimônias de congos e angolas,
impossibilitados de render homenagem a seus ancestrais, passaram a render culto
a espíritos-símbolos dos antepassados: Pai Joaquim de Angola, Pai Benedito, Pai
João, Maria Conga...
A chamada macumba surgiu no Rio de
Janeiro por volta da segunda metade do século XIX: a cabula banto assimilou,
sem o suporte de uma mitologia ou doutrina capaz de integrar seus elementos, a
estrutura dos cultos nagôs e alguns orixás, caboclos catimbozeiros, práticas mágicas
européias e muçulmanas, santos católicos e influências do Espiritismo de
Kardec.
Desse complexo surgiria a Umbanda, na
década de 1920, também no Rio de Janeiro: profissionais liberais, militares e
funcionários públicos, advindos do kardecismo, migraram para esses cultos,
impondo-lhes nova estrutura e desencadeando um processo de institucionalização
(Magnani, 1986). Leitores particularmente interessados por esse tema podem
obter informações fidedignas nos trabalhos de Magnani (1986) - Umbanda; Birman (1983)
- O que é Umbanda? e Ortiz (1978) - A morte branca do feiticeiro negro, entre
outros. ((RIBEIRO, Ronilda Iyakemi. Alma
Africana no Brasil- Os iorubas..p. 111 a 113) Salvador-BA, Ed. Oduduwa, 1996
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