Babaloorisá João Bosco D’Sangó
É inegável que os negros yorubanos
que na condição de escravizados vieram para as Américas e consecutivamente para
o Brasil deixaram um legado fantástico para a formação religiosa desta nação.
Estamos referindo ao Candomblé – Culto de matriz africana que foi organizado e
adaptado a realidade brasileira. Não se pode afirmar que em qualquer lugar da
África tenha noticias de existir o Candomblé como é praticado em nosso país, o
que existe do outro lado do Atlântico são cultos animistas familiares que
difere em sua grande maioria do culto afro-brasileiro denominado de Candomblé.
Porém negar a raiz africana desse culto seria hipocrisia, visto que os Orisás
vieram na alma do povo yorubano durante o processo diaspórico. E com a inteligência e sagacidade do homem e
da mulher negro (a), especialmente dos de cultura yorubana, os mesmos
organizaram um culto que ao mesmo tempo tem tudo a ver com o que se pratica no
continente negro, porém com um rosto tipicamente afro-brasileiro. Enquanto em na Nigéria cada
comunidade ( ègbé) tem seu culto familiar ancestral próprio, ou seja cada grupo
familiar culta um único Orisá, entre nós praticantes de Candomblé em um
mesmo é preferível que se tenha a presença de todas divindades. Sem dúvida a
sagacidade afro-brasileira sem desse culto tipicamente africano uma nova forma
de ligação com o nunca dos Orisás. Não se pode negar que esse modelo de
organização (re) criado por estas terras fez com o ato de cultuar as divindades
africanas se tornasse mais rica e diversificada culturalmente falando. Entretanto
não perdeu a essência do que é praticado em África.
Neste mês este meio de comunicação
deseja começar discussão acerca das raízes africanas presentes no culto de
Candomblé praticado em nosso país, para tanto depois de pesquisas e leituras,
escolheu-se a obra Cultura Ioruba – Costumes e Tradições, escrita pela
pesquisadora Maria Inez Couto de Almeida – Ifatosin, para nortear nossas
reflexões, e sem dúvida aprofunda nosso conhecimento sobre quem somos e o que
praticamos. O texto que apresentamos constitui o primeiro capitulo da referida
obra, e intitula-se Costumes e Traduções, no qual a autora busca perceber
semelhanças entre o Candomblé de Nação Ketu por nós praticado e os costumes tradicionais
yorubano, vale a pena ler e refletir.
O segundo artigo refere-se uma lenda
yorubana na qual busca dar explicação de um dos fatores que o Orisá Esú
é o primeiro a comer e o primeiro a ser saudado no Culto de Nação Ketu. A lenda
intitula-se Eleguá[1]
ganha a primazia nas oferendas.
Em se tratando das atividades da
Ègbé Omorisá Sangó para o mês de março, são as seguintes:
-Dia 03- sábado:
(Das 15:00 às 18:00 horas) – Atendimento Público;
- Dia 03 –
Quarta Feira ( 20:30) Amalá
-Dia 10- sábado:
( Das 15:00 às 17:00 horas) – Projeto Discutindo Candomblé Ketú;
Dia 17- sábado:
( Das 15:00 às 17:00 horas) – Projeto Discutindo Candomblé Ketú;
Dia 24- sábado:
(Das 15:00 às 18:00 horas) – Projeto Falando Yorubá: Cantando e
Dançando para Orisá;
Dia 25 – domingo:
( Das 10:00 às 12 horas) - Projeto Falando Yorubá: Cantando e Dançando para Orisá.
Aproveitamos a
oportunidade para parabenizar todas as mulheres de asé (08 DE MARÇO DIA
INTERNACIONAL DA MULHER) que fazem a diferença em nosso país, verdadeiras mães
e zeladoras de nossas ègbé, ilês e templos. Nosso carinho especial a Iya Nair
d’Oya, nossa querida Iya Kèkèrè e as Iyarobás Suzi d’Osun e Ângela d’ Osun.
Texto 01: COSTUMES E TRADIÇÕES
Maria Inez Couto
de Almeida - Ifatosin
Verificamos uma
grande semelhança entre os costumes tradicionais dos iorubá - independente de
religião, e os rituais nas cerimônias dos candomblés de Ketu, no Brasil. Não
pretendemos, nem sequer podemos, discutir fundamentos. Queremos apenas mostrar
pontos comuns entre os antigos hábitos dos povos que formavam o grupo iorubá e
o comportamento atual dos adeptos da religião trazida para o Brasil.
Acreditamos em uma adaptação dos costumes para propiciar a aplicação dos
fundamentos.
Cuide de suas
maneiras
Cuide de suas maneiras, meu amigo!
A honra pode abandonar nossa casa,
e a beleza, às vezes, acaba.
O rico de hoje pode ser o pobre de
amanhã.
A honra é como o mar,
e também a onda da riqueza;
ambas podem escapar de nossa casa.
Mas as boas maneiras acompanham-nos
até ao túmulo.
O dinheiro não é nada,
As boas
maneiras é que são
a beleza da humanidade.
Se você tem dinheiro, mas não se comporta bem,
quem irá confiar em você?
Ou, se você é uma mulher muito linda,
mas não se comporta de maneira adequada,
quem desejará tê-la como esposa?
Ou, ainda, se você é muito educado,
mas engana as pessoas,
quem confiará em você para negócios?
Cuide de suas maneiras, meu amigo.
Sem bons modos, a educação não tem valor.
Todos amam uma pessoa que sabe se comportar.
Esta poesia iorubá retrata bem os
costumes e a importância que o povo dá à educação e à honra.
TOJÚ ÌWÀ RE
Tojú ìwà re, ore mi!
Olá
a ma si lo n’ilé eni,
Ewà
a sì ma sì l’ára enia,
Olówó òní ‘ndi olòsì b’ó d’ola
Òkun l’ola, òkun nìgbì oro,
Gbogbo won l’ó ‘nsí lo nílé eni;
Sùgbon
ì`wa ni ‘mbá’ ni dé sàree.
Owo kò je nkan fún ‘ni,
Ìwà l’ewà l’omo enia.
Bí o l’ówó bí o kò ní ‘wà ‘nko,
Tani je f’inú tán o bá ş’ohun
rere?
Tàbí bí o sì şe obìrin rogbodo,
Bí o bá jìnà sí ‘wa tí edá ‘nfe,
Taní je fe a s’ílé bí aya?
Tàbí bi o je oníjìbìtì enia,
Bí a tile mo ìwé àmodájú,
Taní je gbé ‘se aje fún o se?
Tojú ìwà re, ‘ore mi,
Ìwà kò sí, eko d’ègbé,
Gbogbo aiye ni ‘nfe ‘ni t’ó je rere.
A importância dada ao bom caráter
(ìwà pele)
Ìwà é o que caracteriza uma pessoa sob
o ponto de vista ético. Para ser feliz uma pessoa deve ter ìwà pele,
pois quem tem bom caráter não entra em choque com os seres humanos nem com os
poderes sobrenaturais. Esse é o mais importante dos valores morais iorubá, e a
essência da fé consiste em cultivá-lo.
A lenda de Ìwà é relatada
na literatura de Ifá.
Ìwà era uma mulher de rara beleza com
quem Orúnmílà se casou, após ela ter se separado de diversos
outros deuses.
Apesar de sua beleza, Ìwà tinha maus costumes
e falava demais, sendo ainda preguiçosa e irresponsável.
Depois de algum tempo de casados,
Orunmila, não podendo suportar o mau comportamento de sua esposa,
mandou-a embora.
Entretanto, quando Ìwà partiu,
Orúnmílà percebeu que não podia viver sem ela. Perdeu o respeito
dos vizinhos, sua prática divinatória perdeu o valor, seus clientes se
afastaram, ficou sem dinheiro, enfim perdeu tudo e foi desprezado por todos.
Tentando achar uma solução,
vestiu-se de Egúngún e saiu por aí, à procura de Ìwà. Foi à casa
dos 16 odu de Ifá à procura da esposa, cantando na porta de cada um:
“Grande Sacerdote de Ifá de Ajeró,
Adivinho de Ajeró,
Onde você vir Ìwà, diga-me.
É Ìwà, Ìwà que estou procurando.
Se você tem dinheiro, mas não tem Ìwà,
O dinheiro não é seu;
Ìwà é
a pessoa que eu procuro.
Se alguém tem filhos, mas não tem Ìwà,
As crianças pertencem a outra pessoa;
Ìwà, é que
procuramos
Se temos uma casa, mas não temos Ìwà,
A casa não é nossa, é de outra pessoa.
Ìwà, Ìwà é
o que procuramos.
Se você tem roupas, mas tem falta de Ìwà,
As roupas pertencem a outra pessoa.
Ìwà, Ìwà é
o que procuramos.
Todas as boas coisas da vida que um homem possui,
Se ele perder Ìwà, elas passam a pertencer a
outra pessoa.
Ìwà, é
o que estamos à procura!”
(Ogbon inú, awo Alárá;
Dífá fún Alárá, Èjí Osá,
Omo
Amúrin kàn dogbon agogo.
Ìmoràn, awo Ajerò, Difá fun Ajerò,
Omo
ògbójú koroo jà jále.
Níbo ló gbé ríwà fún un o,
Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.
Ó nó bó o lówó, tóò níwà,
Owo olówó ni.
Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.
Omo
la bí,
Ta níwà, Omo
olomo ni.
Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.
Bá a nílé, tá à níwà,
Ilé omílé ni.
Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.
Bá a láso,tá à níwà
Aso, aláso ni.
Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.
Ire gbogbo tá a ni,
Tá à níwà.)
Depois de grande procura Orunmila
achou Ìwà casada com Olójo. Quando cantou na porta de Olójo,
este foi à porta recebê-lo e recusou-se a devolvê-la. Então eles começaram a
brigar. Orúnmilá bateu em Olójo com a perna de uma cabra
que havia sacrificado antes de sair de casa. O impacto atirou Olójo a
muitas milhas de distância, e Ìwà foi levada de volta para sua casa.
Ao analisar a lenda vemos as
várias razões da importância dada a Ìwà. Primeiro é importante que o bom
caráter seja simbolizado por uma mulher. No folclore ioruba as mulheres
representam os dois extremos – amor, cuidado, devoção e beleza, versus
fraqueza, deslealdade e falsidade. Só as mulheres podem simbolizar essa
dualidade, de acordo com o conceito ioruba. A lenda mostra ainda que o homem
deve cuidar de seu caráter tão bem como cuida de sua esposa. Da mesma forma que
manter a esposa é obrigação do marido, o bom caráter deve ser uma obrigação
para os quem têm fé e querem viver de forma correta.
As mulheres são consideradas
bruxas e podem até ser mentirosas, mas os iorubá crêem que a sociedade não pode
sobreviver sem elas. Da mesma forma, pode ser difícil ter bom caráter, mas não
se pode ser feliz sem ele.
Ìwà foi uma mulher que perdeu os bons
hábitos. Significa que o homem que quer ter bom caráter deve estar preparado
para encarar egbin - coisa suja - e passar por algumas situações
desagradáveis, que podem ofender sua dignidade e decência. Mesmo assim não deve
se desviar do bom caminho, para não perder a essência e o valor de sua vida.
Os versos equiparam Ìwà aos
bens materiais que os homens almejam: dinheiro, filhos, casa e roupas. Um homem
que tem bens materiais, mas não tem caráter, provavelmente irá perder tudo para
uma pessoa de caráter, que saberá melhor tomar conta desses bens. Ìwà é
o atributo de maior valor entre todos, no sistema iorubá.
Vemos que o costume dos zeladores
de santo, de transmitir ensinamentos através de lendas (itans) em que os
Orixás se comportam como pessoas comuns, com seus defeitos e fraquezas, é
também uma herança da cultura tradicional ioruba.
Texto 2 – ELEGUÁ GANHA A PRIMAZIA NAS OFERENDAS
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