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MOJUBÁ !
Temos o intuito de incentivar e discultir textos sobre as religiões de matriz africana entre outras questões que envolve essa temática, também ter um espaço para divulgação da atividades da Egbé que alcança o Ilê Axé Sangó e o Centro Cultural Ébano Brasil.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

NOÇÃO DE PESSOA: CONCEPÇÃO IORUBÁ DE NATUREZA E DESTINO HUMANOS

  
Por Ronilda Iyakemi Ribeiro

A respeito do axé
Para discorrer a respeito da natureza e destino humanos é interessante iniciar esclarecendo o significado de axé, nome dado pelos iorubás à força vital. Segundo Maupoil (citado por E. dos Santos, 1986) axé é a força invisível, a força mágico-sagrada de toda divindade, de todo ser animado, de toda coisa. Não aparece espontaneamente. Precisa ser transmitida. Qualquer chance de realização na existência depende do axé que, enquanto força, obedece a algumas leis: (1) é absorvível, desgastável, elaborável e acumulável; (2) é transmissível através de certos elementos materiais, de certas substâncias; (3) uma vez transferido por essas substâncias a seres e objetos, neles mantém e renova o poder de realização; (4) pode ser aplicado a diversas finalidades; (5) sua qualidade varia segundo a combinação de elementos que o constituem e que são, por sua vez, portadores de uma determinada carga, de uma particular energia e de um particular poder de realização. O axé dos orixás, por exemplo, é realimentado através de oferendas e de ação ritual, transmitido por intermédio da iniciação e ativado pela conduta individual e ritual; (6) pode diminuir ou aumentar.
O axé encontra-se numa grande variedade de elementos do reino animal, vegetal e mineral. Encontra-se em elementos da água doce e salgada e da terra. Acha-se contido nas substâncias essenciais de seres animados ou não. Elbein dos Santos (1986) apresenta uma classificação do axé em categorias: sangue vermelho, sangue branco e sangue preto. No reino animal o sangue vermelho compreende o sangue propriamente dito, animal e humano, aí incluído o fluxo menstrual; no reino vegetal, inclui o epo, azeite de dendê, o osun, pó vermelho extraído de pterocarpus erinacesses e o mel, sangue das flores. Quanto ao sangue branco, incluem-se, no reino animal, o hálito, o plasma, o sêmen, a saliva, o suor e outras secreções; no reino vegetal, a seiva, o sumo, o álcool e as bebidas brancas extraídas de palmeiras e de alguns vegetais, o ori, manteiga vegetal e o iyerosun, pó esbranquiçado extraído do irosun; no reino mineral, os sais, o giz, a prata, o chumbo, etc. O sangue preto compreende, no reino animal, as cinzas de animais; no vegetal, o sumo escuro de certas plantas, o ilu, índigo extraído de diferentes tipos de árvores, pó azul escuro chamado waji; no reino mineral, o carvão, ferro, etc.
Para poder atuar, o axé deve ser transmitido através de uma combinação particular que contém representações materiais e simbólicas do branco, do vermelho e do preto, do aiye e do orun, competindo ao oráculo a definição da composição necessária do axé a ser implantado ou restituído.
O sangue - animal, vegetal ou mineral - é substância indispensável para a restauração da força. Todo ritual, seja uma oferenda, um processo iniciativo ou uma consagração, realiza implante da força ou revitalização. O que vive, para poder realizar-se ou realizar, precisa de axé e, não sendo a fonte inesgotável, a reposição se faz necessária e é obtida através da prática ritual que reatualiza a força do tempo primordial, tempo da criação. A importância da regularidade dos ritos reside no fato de que a presença das entidades sobrenaturais é favorecida pela atividade ritual, ocasião privilegiada da transferência e redistribuição do axé.
Este, oriundo das mãos e do hálito dos mais antigos, na relação interpessoal, é recebido através do corpo e atinge níveis profundos, incluídos os da personalidade, através do sangue mineral, vegetal e animal das oferendas.

A respeito da natureza humana
A pergunta quem é o homem? tem por resposta: é a mais importante das criaturas de
Deus. Para os iorubás, ao Eu transcendental, intangível e invisível associam-se componentes de ordem material formando um corpo tangível e visível e outros componentes de ordem imaterial, intangível e invisível. O ser humano é descrito como constituído dos seguintes elementos: ara, ojiji, okan, emi e ori.
Ara, o corpo físico, constitui a casa ou templo dos demais componentes. Ojiji - o fantasma humano - é a representação visível da essência espiritual e acompanha o homem durante toda sua vida. Quando ara perece, ojiji também perece, embora somente ara seja enterrado. Ojiji pode ser traduzido por sombra. Okan, literalmente coração ou coração físico, intimamente conectado ao sangue, representa o okan imaterial, sede da inteligência, do pensamento e da ação. Emi, o princípio vital, associado à respiração, não se reduz a ela. É o sopro divino e, ao morrer o homem, diz-se que Emi partiu. Significa também, espírito ou ser. Uma das denominações de Deus é Elemii, Senhor dos Espíritos. Ori, a essência real do ser, guia e ajuda a pessoa desde antes do nascimento, durante toda a vida e após a morte.     O sentido literal de ori é cabeça física, símbolo da cabeça interior - ori inu. Deus é chamado também Oris e, fonte da qual originam-se os seres. Todo ori, embora criado bom, acha-se sujeito a mudanças. Feiticeiros, bruxas, homens maus e a própria conduta podem transformar negativamente um ori, sendo sinal dessa transformação uma cadeia interminável de infelicidades na vida de um homem a despeito de seus esforços para melhorar. O ori, entidade parcialmente independente, considerado uma divindade em si próprio, é cultuado entre outras divindades, recebendo oferendas e orações. Quando ori inu está bem, todo o ser do homem está em boas condições.

A respeito do destino humano

Recorrendo ao mito encontramos uma boa expressão das crenças iorubás a respeito do destino humano: Oxalá e Ijalá são as divindades modeladoras dos ori. Cada ser criado escolhe livremente o próprio ori e o próprio Odu - signo regente de seu destino. Ijalá, embora notável em sua habilidade, não é muito responsável e, por isso, muitas vezes modela cabeças defeituosas: pode esquecer de colocar alguns acabamentos ou detalhes necessários, como pode, ao levá-las ao forno para queimar, deixá-las por tempo demasiado ou insuficiente. Tais cabeças tornam-se, assim, potencialmente fracas, incapazes de empreender a longa jornada para a terra, sem prejuízos. Se, desafortunadamente, um homem escolhe uma dessas cabeças mal modeladas, estará destinado a fracassar na vida. Durante sua jornada para a terra, a cabeça que permaneceu por tempo insuficiente ou demasiado no forno, poderá não resistir à ação de uma chuva forte e chegará mais danificada ainda. Todo o esforço empreendido para obter sucesso na vida terrena terá grande parte de seus efeitos desviada para reparar tais estragos. Pelo contrário, se um homem tem a sorte de escolher uma das cabeças realmente boas, tornar-se-á próspero e bem sucedido na terra, uma vez que sua cabeça chega intacta e seus esforços redundam em construção real de tudo aquilo que se proponha a realizar. O trabalho árduo trará ao homem afortunado em sua escolha, excelentes resultados, já que nada é necessário dispender para reparar a própria cabeça. Assim, para usufruir o sucesso potencial que a escolha de um bom ori acarreta, o homem deve trabalhar arduamente. Aqueles, entretanto, que escolheram um mau ori têm poucas esperanças de progresso, ainda que passem o tempo todo se esforçando.
A forma ou tamanho de uma cabeça nada informa a respeito de suas potencialidades. Como saber se a escolha feita foi boa ou má? Pode um homem conhecer as potencialidades da própria cabeça ou da cabeça de outrem? Os fundamentos para a resposta a essa pergunta, encontram-se em outro mito: Ao atravessar o portal que conduz do céu à terra, o porteiro do céu - Onibode orun, pede ao homem que declare seu destino. Este é então selado e, embora a lembrança disso se apague no homem, Ori retém integralmente a memória de tudo. Baseado nesse conhecimento guia seus passos na terra. A única testemunha do encontro entre Ori e Onibode orun é Orumilá, uma das divindades primordiais, o deus da sabedoria. Por isso Orumilá conhece todos os destinos humanos e procura ajudar os homens a trilhar seus verdadeiros caminhos. Nos momentos de crise, a consulta ao oráculo de Ifá permite acesso a instruções a respeito dos procedimentos desejáveis, sendo considerados bons procedimentos os que não entram em desacordo com os propósitos do ori. Ifá é outro nome de Orumilá.
A respeito do ori, resta ainda lembrar que trata-se de uma divindade pessoal, a mais interessada de todas no bem-estar de seu devoto. Se o ori de um homem não simpatiza com sua causa, nada poderá ser feito por outra divindade. Assim, o que ori não sanciona, não pode ser concedido nem por Olodumare, nem pelos orixás. Alguns poemas divinatórios de Ifá, registrados por Abimbola (1976), dizem:
Somente o Ori é quem pode seguir seu devoto a qualquer parte sem retornar. Se tenho dinheiro, renderei graças a meu Ori. Se tenho crianças na terra, é a meu Ori que devo render graças. Por todas as boas coisas que tenho na terra Deverei render graças a meu Ori. Ori, eu o saúdo! Você que não esquece seus devotos, Que os abençoa mais rapidamente que as outras divindades. Nenhuma divindade abençoa um homem sem o consentimento de seu Ori. Ori, eu o saúdo. Você que possibilita que as crianças nasçam vivas. Uma pessoa cujo sacrifício é aceito por seu Ori deve exultar imensamente. Verdadeiramente, todos os desejos de meu coração revelarei a meu Ori. O Ori de um homem é seu simpatizante.  Meu Ori, salva-me! Você é meu simpatizante!
Muitas referências são feitas às relações entre o ori e o destino pessoal. O destino, descrito como ipin ori - a sina do ori - pode sofrer alterações em decorrência da ação de pessoas más chamadas omo araye - filhos do mundo, também chamadas aye - o mundo ou ainda, elenini - implacáveis (amargos, sádicos, inexoráveis) inimigos das pessoas. Entre estes encontram-se as aje - bruxas, os oso - feiticeiros, os envenenadores e todos aqueles que se dedicam a práticas malignas com o intuito de estragar qualquer oportunidade de sucesso humano. Se seu inhame é branco, cubra-o com a mão enquanto come porque Aje não quer que ninguém prospere. O bem-estar e os sucessos devem ser escondidos dos olhares para não tornarem-se alvo de ataques malignos.
O destino também pode ser afetado, de modo adverso, pelo caráter da própria pessoa. Um bom destino deve ser sustentado por um bom caráter. Este é como uma divindade: se bem cultuado concede sua proteção. Assim, o destino humano pode ser arruinado pela ação do homem. Iwa re laye yii ni yoo da o lejo - Seu caráter, na terra, proferirá sentença contra você.
Sendo estes os pressupostos, retomamos as perguntas: como saber se a escolha do próprio ori foi boa ou má? Pode um homem conhecer as potencialidades da própria cabeça ou da cabeça de outrem? O jogo divinatório de Ifá possibilita que a pessoa tome conhecimento dos desígnios do próprio ori, saiba a respeito do orixá ou irunmale que deve ser cultuado e conheça seus ewo - proibições quanto ao consumo de alimentos, uso de cores e condutas morais.
As divindades, incluindo Orumilá, fazem uso de recursos divinatórios para conhecer os desejos do próprio ori. Suas vidas, também regidas por seus ori beneficiam-se da consulta a Ifá. É através de Orumilá, o porta-voz dos orixás, que se pode conhecer os desejos das divindades, incluindo-se entre elas, a divindade pessoal - o ori. Enquanto porta-voz do ori, Orumilá é considerado eleri ipin - testemunha da escolha humana de destino. Considera-se vital para todo homem recorrer a Ifá, sistema divinatório de consulta a Orumilá, a intervalos regulares, para tomar conhecimento do que agrada ou desagrada o próprio ori. Enquanto intermediário entre a pessoa e as divindades (entre as quais o próprio ori), Ifá não apenas informa sobre os desejos divinos mas também conduz os sacrifícios ofertados às divindades para que estas possam cumprir seu papel: ajudar os ori a conduzirem as pessoas à realização do próprio destino. O mesmo é válido para os orixás, ou seja, as divindades encontram-se, como os homens, em processo de evolução e necessitam de orientação superior para prosseguirem em seu caminho.
Como se crê que o ori dos pais traz boa fortuna aos filhos, é comum a recomendação do oráculo no sentido de que sejam feitas ofertas sacrificiais ao ori dos pais e estes, ao orarem pelos filhos, apelam ao próprio ori: Ori mi a sin o lo - Possa meu ori ir com você ou Possa meu ori guiá-lo e abençoá-lo. Analogamente, o ori de uma pessoa tem condições de proteger, ajudar ou, ainda, prejudicar outras pessoas.
O recurso divinatório de Ifá, associado ao culto de Orumilá, é o mais desenvolvido dos sistemas divinatórios iorubás. Fazendo uso do obi de quatro partes, do opele, de areia, água, búzios, ikin, etc. Ao ser feita a consulta ao oráculo de Ifá, a queda dos dezesseis frutos de palmeira chamados ikin ou do opele, a corrente divinatória, define determinada configuração.
De 16 figuras básicas e 256 derivadas chamadas Odu, decorrem 4096 variantes possíveis, cada qual com seu nome. A cada configuração corresponde uma série de parábolas, significativamente coincidentes (sincrônicas) com a circunstância existencial do consulente. A conduta do(s) herói(s) da parábola, sugere o procedimento adequado para a superação da crise e realização do próprio destino. (RIBEIRO, Ronilda Iyakemi. Alma Africana no Brasil- Os iorubas. Salvador-BA, Ed. Oduduwa,1996.p. 51 a 56)

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