Boas Vindas!!

MOJUBÁ !
Temos o intuito de incentivar e discultir textos sobre as religiões de matriz africana entre outras questões que envolve essa temática, também ter um espaço para divulgação da atividades da Egbé que alcança o Ilê Axé Sangó e o Centro Cultural Ébano Brasil.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O QUE ACONTECEU COM AS TRADIÇÕES RELIGIOSAS AFRICANAS?



No Brasil coexistiam tradições religiosas africanas diversas. Isso porque o tráfico trouxe para cá povos de origens e culturas religiosas também diversas. Em todo Brasil, no período colonial ( até o século XVIII), o termo mais comum para nomear as práticas religiosas de origem africana parece ter sido calundu, uma expressão angolana que vem da palavra kilindu, que significa “divindade” em língua umbundo.
            A mais antiga referência escrita ao termo “candomblé” é do início do século XIX, na Bahia. E “candomblé” vem também de um termo oriundo da região de Angola, que significa culto ou oração. Sabe-se que, tanto nas cidades como nas áreas rurais, as religiões afro-brasileiras foram importante fator de agregação da população negra – escravos ou libertos, vindos da África ou nascidos no Brasil. 
Antes de 1850, as tradições religiosas mais importantes do sudeste brasileiro, especialmente do Rio de Janeiro e de São Paulo, eram originárias da região centro-ocidental da África, onde viviam os povos bantos. A grande importação de escravos originários daquela região marcou profundamente a cultura religiosa dessa parte do país. Para os africanos dali, o culto dos ancestrais era fundamental, mas também importante era a devoção as divindades que eles chamavam de  inquices.
            Em fins do século XIX, essas tradições africanas herdadas dos povos de língua banto misturaram-se com o catolicismo, com o espiritismo e com tradições indígenas e deram origem à Umbanda. Da mesma forma, o grande fluxo de africanos vindos da África Ocidental influenciou fortemente as formas de culto de origem africana na Bahia e no Maranhão. Os povos reunidos no antigo reino do Daomé (atual República do Benim), conhecidos como jeje na Bahia e minas no Maranhão, cultuavam divindades a que chamavam de vodum. Já os povos de fala ioruba, conhecidos como nagôs na Bahia, cultuavam os orixás, que vieram a constituir a religião afro-brasileira mais conhecida. Organizados em torno de um “terreiro” com suas construções, locais de orações, hierarquia, o culto ioruba disseminou-se nas cidades e nas áreas rurais do Nordeste, sobretudo na Bahia. Em todo o Brasil ganhou designações locais diversas, como candomblé na Bahia, Xangô em Pernambuco, tambor no Maranhão e batuque no Rio Grande do Sul.
            Em decorrência do encontro de diferentes povos vindos da África, aqui nasceram estruturas religiosas novas. Por exemplo, no terreiro de candomblé ioruba juntavam-se divindades cultuadas separadamente em regiões distintas da África – Oxossi, no reino de Ketu, Xangô de Oió, Oxum em Oxogbô e assim por diante.
            Ao longo do período colonial, havia líderes religiosos que curavam, adivinhavam e ganhavam respeitabilidade dentro e fora da comunidade de escravos porque se acreditava que eram capazes de lidar com o sobrenatural e de neutralizar o mal – inclusive o mal dos senhores cruéis – além de tornar os escravos invulneráveis às doenças, fazê-los bem-sucedidos nas fugas e outras ações em busca da liberdade. A maioria dos escravos recorria aos curandeiros ou curandeiras negras para se trata de alguma enfermidade física ou mental. Práticas de cura africanas e também européias, como a sangria por meio de sanguessugas, eram bastante praticadas por negros barbeiros nas ruas das cidades coloniais brasileiras. Além de extrair dentes e prescrever receitas para várias enfermidades, esses sacerdotes davam conselhos e vendiam amuletos que protegiam o corpo da doença e da inveja.
            Um elemento comum que une as diversas tradições religiosas africanas existentes no Brasil é o culto aos ancestrais. Um ancestral ou antepassado é alguém de quem uma pessoa descende, por parte de pai ou mãe, em qualquer período de tempo, e que toda pessoa deve cultuar, respeitar e amar. Mas somente alcançam a condição de ancestral com merecimento de culto aqueles/as que tiveram uma vida terrena voltada para o bem da comunidade e deixaram bons filhos. Para as religiões africanas existe clara distinção entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, mas isso não significa que os mortos não possam agir sobre os vivos. Ao contrário, acredita-se que os ancestrais agem decisivamente na vida dos vivos protegendo-os de doenças e de espíritos malignos.
            Para os africanos, a ligação entre os vivos e os mortos continua após a morte. A morte não significa o fim da existência, mas a passagem de uma vida para outra. É por isso que no candomblé os orixás são agraciados com muita música, danças, comida, bebida e roupas. A intervenção dos ancestrais é importante, mas os vivos não podem se acomodar. A cada um cabe mudar o mundo a seu favor. Daí a valorização da criatividade e da disposição de luta contra a adversidade como formas de alcançar a felicidade neste mundo.
            Uma característica importante das religiões afro-brasileira foi sua capacidade de conviver com outros setores da sociedade e atrair as pessoas, inclusive livres e brancas. Estas últimas foram durante muito tempo atraídas como clientes em busca de soluções para seus problemas terrenos de afeto, saúde, dinheiro e poder. Ao longo da segunda metade do século XIX, brancos e mestiços começaram a fazer parte da própria estrutura organizacional, um meio encontrado pelas comunidades religiosas de adquirir respeitabilidade e ganhar o apoio de pessoas influentes que as protegessem da repressão policial. Mas isso também era um sinal de como as referências religiosas africanas haviam influenciado profundamente a sociedade brasileira como um todo.
            Outro aspecto importante das religiões de matriz africana no Brasil foi sua capacidade de dialogar e respeitar as religiões dos outros. Basta dizer que muitas santas e santos católicos são cultuados e fazem parte das devoções dos iniciados no candomblé. Da mesma forma, os africanos incorporaram dos povos indígenas muitas entidades que passaram a ser chamadas de caboclos.
            Para o Brasil vieram também africanos iniciados em religiões que surgiram na África depois da chegada dos povos árabes e europeus. Uma delas era o islamismo, introduzido por populações do norte do continente africano ao longo do multissecular comércio com os árabes. Muitos desses seguidores de Alá chegaram ao Brasil como escravos. Os muçulmanos eram numerosos na cidade de Salvador e na região açucareira do Recôncavo Baiano. Adeptos de uma religião militante, eles organizaram na Bahia algumas rebeliões escravas, sendo a de 1835 a mais conhecida. Por isso, ao longo do século XIX, foi o grupo religioso mais perseguido pelas forças policiais.
            Africanos e afro-brasileiros não tinham liberdade para cultuar santos, santas e divindades da África, mas muitas vezes tinham permissão para faz-lo. E permissão não é liberdade. A primeira Constituição do país, promulgada em 1824, definiu o catolicismo como religião oficial do Império, sendo outras religiões permitidas desde que não tivessem templos. Mas as religiões afro-brasileiras jamais foram incluídas nessa tolerância legal, porque não eram consideradas religiões e sim superstições, curandeirismo, feitiçaria. Eram então tratadas como práticas ilegais e muitas vezes consideradas práticas criminosas.
            Para fugir à repressão, africanos e crioulos buscavam praticar suas religiões em locais afastados dos centros urbanos ou recorriam a outros artifícios para evitar as patrulhas policiais e o preconceito da vizinhança. Mas havia muita casa de culto que funcionava discretamente nos centros das cidades.
            O fato é que as religiões afro-brasileiras foram fundamentais para as populações negras enfrentarem a vida difícil no Brasil escravista. A “família de santo” dos candomblés era uma espécie de recriação da família grande existente na África. Além disso, os laços familiares criados em torno do culto dos ancestrais representaram a possibilidade de recompor simbolicamente laços de parentesco desfeitos no tráfico ou no curso da vida escrava. Ao juntar no mesmo culto escravos, libertos e livres, a família de santo terminou formando redes sociais poderosas que ajudavam as pessoas a enfrentar as dificuldades do dia a dia.
            O candomblé se expandiu consideravelmente depois do fim do cativeiro em 1888. Mas, mesmo se difundindo na sociedade, as religiões afro-brasileiras continuaram a ser vítimas da repressão policial e do preconceito. Ainda no início do século XX, foram perseguidas pela polícia como praticas supersticiosas, incivilizadas e anticristãs. Ao longo de todo o século XX, babalorixás e yalorixás lutaram contra a intolerância religiosa e pelo reconhecimento de suas práticas religiosas. Foi uma luta difícil. Basta dizer que somente em 1976 os candomblés na Bahia conquistaram o direito de livremente cultuar sues orixás, sem a obrigação de pedirem autorização à polícia. Dados recentes indicam que aproximadamente três milhões de brasileiros (1,5% da população total declaram o candomblé como sua religião. (In: FRAGA, Walter & ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. Uma História da Cultura Afro-Brasileira. Ed. Moderna,2009, p.52 a 56)

Lenda do mês

Porque os/as iaôs usam pena ecodidé na testa quando são iniciados/as.

Esta lenda nos da uma explicação para esse fato.
Assim diz a lenda:
“Oxalá tinha três mulheres, a esposa principal era uma filha de Oxum, e como tal era a encarregada de zelar pelos alvos paramentos e pelas ferramentas que usava Oxalá nas grandes celebrações. As outras mulheres invejavam a posição da filha de Oxum e muitas vezes criaram situações embaraçosas para prejudicá-la.
            Um dia, a filha de Oxum limpava as ferramentas de Oxalá e as deixou no sol para secar enquanto cuidava de outras coisas. Vieram as duas outras mulheres e jogaram os objetos do Orixá no mar. A filha da Oxum não encontrou as ferramentas do Grande Orixá e julgou, desesperada, que por, conta disso pagaria caro demais. Nem da cama levantou-se no dia da festa, tal o seu estado d’alma. Sabia que na festa Oxalá haveria de querer usar os seus símbolos.
            Uma meninazinha que ela criava lhe pediu para que se levantasse, mas ela se recusou a fazê-lo, tão grande o desânimo que a possuía. Foi quando passou na rua um pescador vendo peixes e  a mulher mandou a meninazinha comprar alguns para a festa. Ao abrir os peixes, encontrou as ferramentas dentro deles.
As outras duas não desistiram de prejudicar a rival esposa. No dia da festa, no ponto privilegiado da sala, ocupava seu trono Oxalá. Sentada numa cadeira, à sua direita, encontrava-se a esposa principal, enquanto as duas outras acomodavam-se em cadeiras do lado esquerdo. Aproveitando-se de um momento em que a primeira esposa se ausentou, retirando-se da sala para providenciar a coroa de Oxalá, as duas outras puseram na sua cadeira um preparado mágico. No momento em que ela voltou à sala e se sentou, sentiu o assento pegajoso, quente, estranho. Ela sangrava, deu-se conta com horror! Saiu correndo em desespero, sabendo que infringira um tabu do marido.
            Oxalá indignou-se por ela ter se apresentado diante dele em estado de impureza e a expulsou da casa por quebra de tabu.
            A triste esposa correu para a casa de sua mãe em busca de socorro. Oxum a recebeu carinhosamente e cuidou dela. Triturou folhas e preparou-lhe um banho na bacia. Banhou seu corpo, lavou o sangue, envolveu-a em panos limpos e a deixou repousando numa esteira sob a sombra de uma árvore.
            Quando Oxum tirou a filha do banho, o fundo da água era vermelho e não era sangue, eram penas vermelhas do papagaio-da-costa, que os iorubas chamam de edidé ou ecodidé. Penas raríssimas e muito apreciadas entre os iorubas. Penas que o próprio Oxalá considerava um riquíssimo objeto de adorno, das quais os caçadores não conseguiam arranjar-lhe sequer um exemplar.
            A filha de Oxum passou a ir às festas enfeitada com tais penas e um rumor de que Oxum tinha muitos ecodidés chegou aos ouvidos de Oxalá. Como ele não conseguia as penas de papagaio pelas mãos dos caçadores, foi um dia à casa de Oxum perguntar por elas e surpreendeu-se. Lá estava sua mulher, a filha de Oxum, coberta com as preciosas plumas. Oxalá acabou perdoando a esposa e a levou da volta para casa.
            Com a filha reabilitada e Oxalá satisfeito, Oxum completara seu prodígio. Oxalá ornou com uma das penas vermelhas sua própria testa e determinou que a partir daquele dia as sacerdotisas dos orixás, as iaôs, quando iniciadas, deveriam também usar o ecodidé enfeitando suas cabeças raspadas e pintadas, pois assim seriam mais facilmente reconhecidas pelos Orixás que tomam seus corpos em possessão para dançar nas festas.” (In:PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. Cia das Letras, São Paulo- SP, 2001. p.329 a 332)

Calendário do Mês

Dezembro de 2010



 04/ Dez, Sábado,  Atendimento.
 08/ Dez, Quarta-feira,  Amalá.
11/ Dez, Sábado, Reunião de Estudo e Debates do Candomblé Ketu.
18/ Dez, Sábado, Reunião de Estudo e Debates do Candomblé Ketu.


 Esclarecendo que encerraremos as atividades do Ilê Axé referentes ao corrente ano no dia 18. 
Convidamos a todos os Amigos a participarem do ultimo Amalá de 2010, como também para os Estudos e Debates realizados aos sabados.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Religião e Xenofobia


A proliferação do preconceito e do ódio através do sentimento religioso é um tema político para além do processo eleitoral.
A xenofobia é uma estratégia da oposição. No último mês, multiplicou-se de forma crescente uma onda de difamações contra as campanhas do Partido dos Trabalhadores e seus aliados. A oposição escolheu incluir nas redes ligadas aos sistemas religiosos, basicamente cristãos católicos e evangélicos, a velha disputa do bem e do mal. Suscitam os temas chamados polêmicos à moral cristã como aborto, homossexualismo, ateísmo, perdas das liberdades, satanismo para criar o assombro nas massas religiosas. Lógico, nem todos os cristãos estão envolvidos. Há repúdios explícitos em ambas as tradições contra a desinformação e a proliferação de informações inverídicas nessas eleições. Não é a primeira vez e não será a última. Mas o essencial é saber do agravante, a dose xenófoba, o medo do desconhecido mascarado como aversão, e a difusão do preconceito no entorno das manifestações de líderes e Igrejas cristãs.
Há exemplos no passado, inquisições, nazi-fascismo, racismo, apartheid. Não é necessário aqui descrever quais as verdades e mentiras, porque as calunias sem sustentação se revelarão no decorrer do tempo, restando a vergonha aos que, em nome de Deus, serviram-se desses artifícios. A xenofobia é abominável. Utilizar-se de uma suposta pureza para eliminar as chamadas impurezas de um determinado grupo ou sociedade. Abstraindo-se de qualquer senso critico, criando estereótipos e ódio na sociedade.
O vale tudo nas eleições e o despreparo das chamadas elites brasileiras conduziram à utilização desses métodos. Negaram o debate político e de projeto de sociedade para criar o ódio e o preconceito. A preocupação é o amplo envolvimento de cristãos, alguns bem preparados e conscientes, em servirem-se desses artifícios, absolutamente contrários aos preceitos da Fé Cristã. Valeram-se da mentira como instrumento para afirmação da sua verdade, ou para revelar qual é a verdade em jogo: utilizar da boa fé, da religiosidade, da inocência das pessoas, como ferramentas hostis de uma disputa política e ideológica nessas eleições.
A estratégia está identificada. Aglutinar a opinião e o senso comum entre os fiéis através da moral cristã, criar o estereótipo e produzir preconceito social contra a candidatura do Partido dos Trabalhadores. Os prejuízos seguintes a ações dessa natureza podem, sem dúvida, ter consequências irreparáveis ao convívio democráico, à pluralidade e à liberdade de consciência conquistada com muito esforço e luta nos últimos anos.
O debate sobre a utilização da chamada ética cristã como ferramenta política, enviesada de atributos ideológicos perversos será amplamente difundida e, terá reflexos eleitorais. Cabe nesse momento, desmascarar tal perversidade.
Reverendo Luis Sabanay Teólogo e Pastor Presbiteriano
Fonte: JusBrasil
Catado do site: www.geledes.org.br. Dia: 80/10/2010.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Convite

Quem é de Axé diz que é!!

Irmãos e irmãs,

Este ano ocorrerá o recenseamento da população brasileira, no mesmo uma questão é muito importante:

- A questão da religiosidade.

Precisamos superar os preconceitos internos para que assim tenhamos forças para superar o preconceito externo, institucional, social, etc.

Muitos ao preencher o formulário sempre colocam que são "católicos" ou "outros" ou "espíritas', tal afirmativa prejudica nossas comunidades seja de umbanda, candomblé, têreco, xambá, batuque, cambinda, catimbó, jurema sagrada, kimbanda, nação, tambor de mina, djeje, nagô, angola, ketú, igbomina e/ou outras denominações existentes, pois o estado brasileira utiliza-se das informações para definir políticas públicas para a população e atualmente consta a base de dados do IBGE que somos apenas 0,35% da população brasileira.

Sabemos que isto não é verdade, mas como mudar isto? Simplesmente assumindo a sua verdadeira religião, existem várias campanhas algumas ligadas a comunidade umbandista e outras ligadas às casas de candomblé, independente de ideologias precisamos unir esforços, segurar as mãos e assumir nossa religiosidade.

Mas um ponto importante precisa ser alertado, o IBGE criou comissões estaduais para definir o formulário que será preenchido, e estas comissões são autônomas, e elas que vão definir quais os itens que vão constar no campo a ser preenchido sobre a religiosidade, e podem suprimir a nossa religião mais uma vez.

Assim, é de extrema importância e urgência que todos se mobilizem em seus estados, e participem destas comissões do IBGE, fazendo constar no campo da religiosidade a nossa religião.


Site do IBGE referente o CENSO http://www.censo2010.ibge.gov.br/

**Visite Rede Afrobrasileira Sociocultural em: http://redeafro.ning.com/?xg_source=msg_mes_network
 

Diponibilizado pela 
Rede Afrobrasileira Sociocultural <redeafrobrasileira@gmail.com

Estatuto da Igualdade Racial: avanço ou retrocesso?


Alexandre Ciconello

Depois de 10 anos de tramitação, finalmente foi aprovado pelo Senado Federal (23/6) o Estatuto da Igualdade Racial. Entre a ida e a vinda do Senado para a Câmara, o texto aprovado é muito diferente do projeto original proposto pelo senador Paulo Paim (PT/RS). Para muitos, o que saiu do Senado é um retrocesso, uma imagem pálida e distorcida do texto original. Para outros, a aprovação do estatuto é um avanço na promoção da igualdade racial no país. Quem está com a razão?
Antes de analisar a desconstrução do Estatuto da Igualdade Racial, realizada primeiro na Câmara e depois no Senado, cabe dizer que a discriminação sofrida por negros/as no Brasil se deve a uma estrutura racial existente em nossa sociedade, que mantém privilégios e alimenta a exclusão e as desigualdades sociais. A população negra tem maiores dificuldades de acessar bens e serviços públicos, o mercado de trabalho, o ensino superior e gozar plenamente dos seus direitos. Dois terços dos pobres no Brasil são negros. Metade da população negra no Brasil vive abaixo da linha da pobreza. Um jovem branco no Brasil tem três vezes mais probabilidade de chegar a universidade do que um jovem negro.
O Estatuto da Igualdade Racial tinha como objetivo propor medidas concretas a fim de reduzir essas enormes disparidades. Assim, a proposta original adotava medidas no campo da saúde, educação, territórios quilombolas, meios de comunicação, acesso à Justiça, adoção de políticas de cotas, etc. A Câmara dos Deputados já havia retirado importantíssimas disposições do estatuto. A bancada ruralista na Câmara, assim como tenta arduamente destruir a legislação ambiental brasileira, extirpou todo o capítulo sobre a regularização dos territórios quilombolas do Estatuto. A Câmara também retirou a seção sobre os direitos da mulher afro-brasileira e a previsão de cotas para atores negros/as nos programas televisivos e em peças publicitárias. A nossa televisão vai continuar a retratar nossa sociedade como loura e de olhos azuis. Os Estados Unidos, com uma população negra proporcionalmente muito menor que a nossa, possui representação negra em programas televisivos, filmes etc., muito maior que a brasileira.
As mudanças feitas na Câmara foram aprofundadas pelo senador Demostenes Torres (DEM-GO) na devolução do projeto ao Senado. O DEM representa a posição de uma elite branca e conservadora, que combate qualquer ação de promoção da igualdade racial no país. Cabe dizer que o DEM ajuizou ação no STF contra a demarcação dos territórios quilombolas e contra as cotas nas universidades públicas.
O relatório do senador Demostenes nega a existência de raça e com argumentos grosseiros retira toda a referência a palavra raça do Estatuto. Essa aberração foi aprovada pelo plenário do Senado, indo contra toda a legislação internacional ratificada pelo Brasil nesse tema. O Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial em 1969 e, em 2001, adotou a Declaração e o Programa de Ação de Durban, que estabelece várias obrigações ao Estado brasileiro para o combate à discriminação racial e ao racismo.
O estatuto sem raça do senador Demostenes Torres, com o aval do senador Paulo Paim e do governo federal, eliminou toda a previsão de cotas no ensino superior e nos partidos políticos. Rejeitou o conceito de reparação e compensação previsto do estatuto, retirou o artigo que tratava de operacionalizar a política nacional de saúde da população negra e excluiu as propostas de incentivos fiscais a empresas que mantenha uma cota de, no mínimo, 20% de trabalhadores negros. Ou seja, todas as disposições substantivas foram excluídas do estatuto, na Câmara e, depois, no Senado. Disposições relacionadas a questões culturais, como a capoeira, foram mantidas. Negro jogando capoeira, batucando e no campo de futebol, pode. Negro na universidade, proprietário e como deputado/a no Congresso Nacional, não pode.
É triste ver a elite branca comemorando a aprovação do estatuto sem cotas, sem mencionar raça, sem quilombos. E viva a democracia racial brasileira defendida em um Senado dominado por representantes brancos em um país de maioria negra, que, devido ao racismo, vivenciam uma cidadania restrita e privada de direitos.
*Alexandre Ciconello é Advogado, assessor de direitos humanos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), mestre em ciência política e especialista em direitos humanos pela American University.

Fonte: Lista de Discriminação Racial
Catado no site: http://www.geledes.org.br/em-debate/estatuto-da-igualdade-racial-avanco-ou-retrocesso.html em 09/07/2010