Boas Vindas!!

MOJUBÁ !
Temos o intuito de incentivar e discultir textos sobre as religiões de matriz africana entre outras questões que envolve essa temática, também ter um espaço para divulgação da atividades da Egbé que alcança o Ilê Axé Sangó e o Centro Cultural Ébano Brasil.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

FELIZ 2012


 Babálòórisá João Bosco D’Sangó

Cremos que final de um ano e inicio de outro é momento ideal para reflexão de nossas atitudes. Ocasião para pesarmos nossas ações e reações cotidianas, pois nós praticantes de Candomblé temos a certeza que a cada ato implica em sua contrapartida, a saber, uma reação. Se fomos justos, corretos e coerentes com nossos semelhantes, a reação é a benevolência e a harmonia.  E como cremos que não estamos no ayè ( mundo visível) por acaso, e cremos também que nós praticantes do culto de Candomblé devemos cotidianamente buscar harmonizarmos conosco mesmo, com nossos iguais e com a natureza, ressalvamos a necessidade de pensarmos em tudo que fizemos no nosso dia a dia.

Assim agindo, teremos a certeza que o ano de 2012 será uma sequencia de paz e harmonia ou de uma sucessão de negatividades. E como sempre almejamos a positividade, seria de bom alvitre que rogássemos aos Orisás que nesse ano sejamos mais ético, mais valorosos, mais conscientes de nosso papel de candomblista na sociedade na qual estamos inseridos, que sejamos mais destemidos em nossas praticas religiosas diárias. Que sejamos mais atuantes não só no interior nossas ilè, ègbé e templos, mas principalmente na sociedade.

Temos que agir como candomblista em todos os circuitos onde estivermos presentes. Se somos éticos em nossos templos, também devemos agir com ética e ponderação na sociedade. Se bradamos aos quatro ventos que buscamos a harmonia entre humanos e natureza, não temos o direito de sair por ai feito doidos jogando bitucas de cigarros em qualquer lugar, diga-se de passagem, nós candomblista nem deveríamos fumar, para não poluir o nosso corpo que templo dos nossos Orisás.

Para começarmos nossas reflexão trazemos artigo da yalorixá Maria Stella de Azevedo Santos do Yalorisá do  Ilè Asé Opò Afonjá, no qual a mesma faz  reflexão sobre a inveja.

Já o segundo texto visa demonstrar a atitude de um sargento evangélico contra um soldado praticante de Candomblé. Bem como demonstrar a coragem do soldado em não negar sua fé nos Orisás.

Em contrapartida o terceiro texto trata-se de uma poesia de autoria de Oliveira Silveira no qual ele destaca a importância que é para nós negros e afrodescendentes a busca de nossas origens. Poesia de um valor lúdico fantástico para compreendermos a validade de nossas lutas pelo (re) conhecimento e valor das origens negras.

Por sua vez o quarto artigo intitulado “Ewé! A força que vem das Folhas”, de autoria do Bàbáloorisá Olúmolà, busca compreender e demonstrar a importância das ervas no mundo do Candomblé. Artigo de valor acadêmico profundo e de um rigor cientifico fenomenal. Diga-se de passagem, tal artigo foi lido e debatido com grande afinco entre os membros da Ègbé Òmorisá Sangó, no projeto Discutindo Candomblé de Nação Ketu.


 A Ègbé Omorisá Sangóesta em recesso de suas atividades rotineiras.

Desejamos a todos (as) leitores (as) desde meio de comunicação um ano de alegria, paz e prosperidade e muito asé e sucesso em todos os aspectos. Boa leitura 

MÃE STELLA: REFLEXÃO SOBRE A INVEJA


Maria Stella de Azevedo Santos- Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá



A minha função espiritual faz de mim uma intermediária entre o humano e o sagrado e para exercê-la da melhor maneira possível tenho como instrumento o Jogo de Búzios. Pessoas de diferentes idades, raças e até mesmo credos, buscam a ajuda desse oráculo. Surpreende-me o fato de que uma grande parte dos que me procuram sente-se vítimas de inveja.
Engraçado é que nunca, nem um só dia sequer, alguém chegou pedindo-me ajuda para se libertar da inveja que sentia dos outros. Será que só existem invejados? Onde estarão os invejosos? E o pior é quando consulto o oráculo e ele me diz que os problemas apresentados não são decorrentes de inveja, a pessoa fica enfurecida.
Percebo logo que existe ali uma profunda insegurança, que gera uma necessidade de autovalorização. Se isso ocorresse apenas algumas vezes, menos mal, o problema é que esse comportamento é uma constante. Isso me leva a pensar que cada pessoa precisa olhar dentro de si, tentar perceber em que grau a inveja existe dentro dela, para assim buscar controlar e emanar este sentimento, de modo que ela não venha a atuar de maneira prejudicial ao outro, mas principalmente a si, pois qualquer energia que emitimos, reflete primeiro em nós mesmos.

Uma fábula sobre a inveja serve para nossa reflexão: Uma cobra deu para perseguir um vagalume, cuja única atividade era brilhar. Muito trabalho deu o animalzinho brilhante à insistente cobra, que não desistia de seu intento. Já exausto de tanto fugir e sem possuir mais forças o vagalume parou e disse à cobra: – Posso fazer três perguntas? Relutante a cobra respondeu: – Não costumo conversar com quem vou destruir, mas vou abrir um precedente. O vagalume então perguntou: -Pertenço à sua cadeia alimentar?- Não, respondeu a cobra. – Fiz algum mal a você-?- Não, continuou respondendo a cobra.- Então por que me persegue?- perplexo, perguntou o brilhante inseto. A cobra respondeu: – Porque não suporto ver você brilhar, seu brilho me incomoda.
Ingênuas as pessoas que pensam que o brilho do outro tem o poder de ofuscar o seu. Cada um possui seu brilho próprio, que deve estar de acordo com sua função. Existem até pessoas cujas funções requerem simplicidade, onde o brilho natural só é percebido através do reflexo do olhar do outro.

Lembro-me de uma garotinha de apenas 10 anos de idade que a mãe me procurou para ajudá-la, pois ela ficava furiosa quando não tirava nota dez na escola. Comportamento que fazia com que seus coleguinhas se afastassem dela. Algumas tardes eu passei conversando com a garota. Um dia ela chegou me dizendo que não aparesentava mais o referido problema, que até tirou nota dois e não se incomodou.
Fiquei muito feliz, cheguei mesmo a ficar vaidosa, pois acreditei que aquela nova atitude era resultado de nossas conversas. Foi quando ela me disse:- Sabe por que não me incomodei de tirar nota dois, Mãe Stella? Ansiosa, perguntei:- Por que? Ao que ela me respondeu: – Porque o resto da turma tirou nota um. Rimos juntas da minha pretensa sabedoria de conselheira e do natural instinto de vaidade que ela possuía e que muito trabalho teria para domá-lo. O desejo que a garota possuía de brilhar mais do que os outros, com certeza atrairia para ela muitos problemas. Afinal, ela não queria ser sábia, ela queria ser vista.
O caso contado anteriormente fez lembrar-me de outro que eu presenciei, onde uma senhora repleta de ouro insistia em me dizer que as pessoas estavam olhando para ela com inveja. Cansada daquele queixume, disse-lhe que quem não quer ser visto, não se mostra.
A inveja é popularmente conhecida com olho gordo. Se não queremos ser atingidos pelo olho gordo do outro, devemos cuidar para que que nossos olhos emagreçam, não deixando que eles cresçam com o desejo de possuir o alheio. Já que fazemos dieta para nossos corpos serem saudáveis, devemos também fazer dieta para nossos olhos, pois eles refletem a beleza da alma. A tendência agora é, portanto, olhos magrinhos, mas não anoréxicos, pois alguns desejos eles precisam ter, de preferência desejos saudáveis.
Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. Fonte Imagem: Mãe Stella faz uma bela reflexão sobre a inveja. Foto: Diego Mascarenhas / Ag. A TARDE/ 09.07.2010
Fonte: Mundo Afro 

JUSTIÇA MILITAR CONDENA SARGENTO EVNAGÉLICO POR CONSTRANGIMENTO A SOLDADO CANDOMBLECISTA


O Superior Tribunal Militar (STM) manteve, dia 3 último, por unanimidade, a condenação do sargento do Exército J.R.M a dois meses de prisão pelo crime de constrangimento ilegal, capitulado no artigo 222, parágrafo primeiro, do Código Penal Militar (CPM). O sargento, pastor de uma igreja evangélica, teria apontado uma pistola carregada na cabeça de um soldado, praticante do candomblé, para "testar" a convicção religiosa do subordinado.
Segundo a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), em 8 de abril de 2010, no interior da reserva de armamento do 1º Depósito de Suprimento, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), o terceiro-sargento J.R.M dirigiu-se, com uma pistola em punho, até a bancada do soldado que fazia a manutenção de fuzis. O graduado municiou e carregou a arma e depois a apontou para a cabeça do soldado. Em seguida mandou a vítima realizar uma contagem, de um a três, indagando se ele teria mesmo o "corpo fechado".
Em depoimento, o réu afirmou que o ofendido é praticante de candomblé, tendo inclusive várias marcas no corpo que indicavam que ele estaria protegido por divindades.
Com a arma apontada, o sargento teria perguntado à vítima se ela tinha certeza daquilo que estava afirmando. O soldado, então, respondeu "sim", sem esboçar qualquer manifestação de temor. Segundo os autos, a munição usada pelo réu era de manejo, utilizada para treinamento, sem potencial ofensivo (sem pólvora ou projétil). Porém, a vítima não tinha conhecimento do detalhe.
Segundo o MPM, o soldado foi constrangido a fazer o que a lei não manda, pois viu-se obrigado a manifestar-se sobre sua convicção religiosa e sob a mira de uma arma, o que "consistiu num verdadeiro teste de fé religiosa".
Ainda segundo a promotoria, os depoimentos das testemunhas confirmam as versões dos fatos. "Todos os elementos do tipo penal estão presentes. O réu, mediante grave ameaça, compeliu o ofendido a colocar em prova a sua fé", afirmou a acusação.
De acordo com a promotoria, a liberdade de consciência e de crença é um dos direitos fundamentais esculpidos na Constituição Federal, ficando evidente que a motivação foi a intolerância religiosa.
O acusado afirmou ter baixado a arma porque percebeu que não tinha procedido corretamente. Afirmou que, posteriormente, chamou a vítima e se retratou com ela dizendo estar arrependido e relatado que a munição era de manejo. O sargento também informou que se retratou perante o padrasto do ofendido e que ele mesmo comunicou o fato ao seu comandante. O réu arguiu, em sua defesa, que trabalha há 22 anos com armamento, tendo perfeito conhecimento das normas de segurança. E como utilizou arma de manejo, considerava que a sua conduta não tinha sido incompatível com as normas de segurança.
O advogado do acusado afirmou que a conduta do réu teve o intuito de admoestar (censurar) e não o de constranger o soldado e requereu a sua absolvição por "não constituir o fato infração penal", com base no artigo 439, alínea b, do Código de Processo Penal Militar (CPPM).
Em seu voto, o relator da apelação, ministro Francisco José da Silva Fernandes, negou provimento ao apelou e manteve íntegra a sentença de primeiro grau. "O fato se reveste da maior gravidade, pois o acusado é graduado, tem mais de vinte anos de serviço e teve uma conduta altamente reprovável", afirmou.
Para o magistrado, o acusado deixou claro o seu inconformismo em razão de sua crença religiosa, dizendo que era inadmissível alguém se considerar com o "corpo fechado" e resolveu testar a fé do ofendido.
Ainda segundo o relator não procede a alegação da defesa de que a confissão espontânea, nesse caso, resulte na atenuação da pena, prevista na alínea d, do inciso 3º, do artigo 72, do Código Penal Militar (CPM). "A minorante só é aplicada quando a autoria do crime é ignorada ou imputada a outro, realidade diversa do caso em concreto".
Fonte: Correio Nagô

ENCONTREI MINHAS ORIGENS


Encontrei minhas origens
Em velhos arquivos
Livros
Encontrei
Em malditos objetos
Troncos e grilhetas
Encontrei minhas origens
No leste
No mar em imundos tumbeiros
Encontrei
Em doces palavras
Cantos
Em furiosos tambores
Ritos
Encontrei minhas origens
Na cor de minha pele
Nos lanhos de minha alma
Em mim
Em
minha gente escura
Em meus heróis altivos
Encontrei
Encontrei-as enfim
Me encontrei
Oliveira Silveira- pelenegra.blogspot.com

EWÉ! A FORÇA QUE VEM DAS FOLHAS!


 Por Bàbá Asògún Olúmo (Ulisses Manaia)
(Texto publicado na revista “Candomblés nº 1”,  – da Editora Minuano – Fevereiro de 2011)

KÒ SÍ EWÉ, KÒ SÍ ÒRÌSÀ! Expressão no idioma Yorùbá que quer dizer: “Se não há folhas, não há Òrìsà!” Esta expressão dá ao leitor o entendimento da importância das folhas dentro dos rituais de origem africana, no entanto, queremos aqui ampliar este conceito, traduzindo por folhas os vegetais de um modo geral, incluindo além de suas folhas, seus frutos, sementes, e até mesmo seu caule; e traduzindo por Òrìsà, os diversos usos “mágicos” desses vegetais.
Na caminhada evolutiva do homem, que hoje a maioria dos estudiosos acredita ter começado no continente africano, ele se valeu da observação da natureza para o desenvolvimento de habilidades que até então ele não possuía e, naquele continente onde “tudo começou”, sociedades ditas “animistas” ou “tradicionais” continuam até hoje vivendo em harmonia com a natureza, dela tirando ensinamentos para a sua vida social. Animistas porque acreditam que “toda manifestação viva pressupõe a presença de uma força vital, determinante do ideal de viver”, e que utilizando práticas específicas esta “força” poderá ser utilizada em seu favor! E dentro deste conceito os vegetais representam um grande potencial de possibilidades.
“Se para a medicina ocidental o conhecimento do nome científico das plantas usadas e suas características farmacológicas é o principal, para os Yorùbá o conhecimento dos ofò, encantações pronunciadas no momento da preparação das receitas e transmitidas oralmente, é o que é essencial. Neles encontramos a definição da ação esperada de cada uma das plantas que entram na receita.” (Ewé, Pierre Verger, 1995).
Bom, diante dessa referência concluímos que as plantas e seus derivados não são utilizados aleatoriamente, visam atender necessidades específicas, ou seja, qual o resultado esperado? Ou ainda: utilizar a folha certa no momento certo! Vimos também que a ação esperada dessas folhas está ligada ao que vai ser dito no momento de sua utilização, o ofò, que nada mais é do que a utilização da palavra enquanto transmissora de àse. Verger diz ainda que à primeira vista é difícil perceber nas diversas “receitas”, que tem como ingredientes elementos vegetais, qual é a parte “mágica”, ou seja, aquela que o efeito vai se dar pelo àse nela contido, e quais as virtudes testadas experimentalmente dessas plantas, ou seja, ele diz com isso que muitas dessas plantas já tiveram suas propriedades farmacológicas comprovadas.
Dentro desse contexto quero destacar o trecho de uma canção brasileira, interpretada pela célebre cantora baiana Maria Bethânia:“Salve as folhas brasileiras! Salvem as folhas para mim! Se me der a folha certa, e eu cantar como aprendi, vou livrar a Terra inteira de tudo que é ruim! Eu sou o dono da terra, eu sou o caboclo daqui! Eu sou Tupinambá que vigia, eu sou o dono daqui!” (meu grifo).
O que me chamou atenção nessa composição, e que destaco para o leitor, é que ela ilustra o trecho acima de Verger, e mais ainda, a utilização das folhas está associada a um dos grupos indígenas brasileiros, sugerindo que esses nativos, primeiros habitantes do nosso País, também conheciam essa prática!
Ainda de Pierre Verger:“Na língua Yorùbá, freqüentemente existe uma relação direta entre os nomes das plantas e suas qualidades, e seria importante saber se receberam tais nomes devido às suas virtudes ou se devido a seus nomes, determinadas características foram a elas atribuídas.” (meu grifo).Como ilustração, transcrevemos o trecho de uma preparação Yorùbá para obtenção de dinheiro:
PÈRÈGÚN NÍ Í PE IRÚNMOLÈ L’ÁT’ÒDE ÒRUN W’ÁYÉ! (É Pèrègún que chama os espíritos do além para a terra!)
PÈRÈGÚN WÁ LO RÈÉ PE AJÉ TÈMI WÁ L’ÁT’ÒDE ÒRUN! (Pèrègún, agora vá e chame minhas riquezas do além!)
Nesta preparação encontramos referência a uma folha, conhecida pela maioria de nós: o Pèrègún, cujo nome é a contração do verbo “PÈ”, que significa chamar, com a palavra “EGÚN”, que significa espírito, ancestral, etc. Percebe-se então que esta folha tem a finalidade de “chamar (invocar) espíritos”, e que a própria pronúncia de seu nome já funciona como um ofò! No caso da receita acima, a sabedoria daqueles nossos ancestrais yorubanos que a elaboraram fez esse trocadilho: se Pèrègún pode chamar espíritos, pode chamar a riqueza! Certa vez ouvi de meu “bàbá” que o negro yorubano tem sobre nós a vantagem do uso corrente do idioma, enquanto nós aqui no Brasil ficamos presos a textos prontos, que nos foram transmitidos ao longo do tempo.
Para algumas pessoas, principalmente para aquelas que não estão ligadas aos cultos de matriz africana, pode parecer um tanto “primitivo” pensar dessa maneira, digo, esperar resultados a partir da utilização de certas plantas, de sementes, etc., enfim de elementos da natureza, aparentemente inanimados. No entanto, repetimos, existe por traz da utilização desses elementos uma questão cultural. Eles se utilizam desses elementos da natureza acreditando que eles expressam as suas necessidades perante o “Criador”, o destino final de seus pedidos:
“…Uma composição mágica parece ser considerada como uma coleção de coisas materiais, às quais é dado um valor simbólico; juntas constituem uma mensagem…” (Ewé, Pierre Verger, 1995)
Entre os Yorùbá, os ofò são frases curtas nas quais muito freqüentemente o “verbo” que define a acão esperada, chamado de “verbo atuante”, é uma das sílabas do nome da planta ou do ingrediente empregado. No entanto, o elo entre o nome da folha e a ação esperada, invocada através do ofò, não se limita apenas ao verbo, mas pode aparecer em uma frase curta ou longa, nesse caso estabelecendo uma relação simbólica entre algumas “características naturais” daquela planta a as “necessidades” do homem.
Vejamos alguns exemplos: ÀT’ÒJÒ ÀTEÈRÙN KÌ Í RE TÈTÈ
(Tètè nunca está doente, nem na estação chuvosa nem na seca)
Este ofò faz referência a uma folha conhecida popularmente por Bredo ou Caruru de porco, e cujo nome Yorùbá é Tètè. É uma folha facilmente encontrada, tanto no meio urbano, nas margens de calçadas, como no meio rural, e confesso que antes de conhecer o seu valor ritual, passava-me despercebida, assim com muitas folhas que não conhecemos! Percebemos pela tradução que é uma planta resistente às variações da natureza, permanecendo sempre saudável, e não é este tipo de força que queremos para nossa vida?
OJÚ ORÓ NI Ó N’LÉKÈ OMI, TÈMI Ó L’Á LÉ (Ojú oró flutua na água, eu também ficarei por cima)
Ojú oró é conhecida popularmente por Erva de Santa Luzia, é uma planta aquática, encontrada em rios ou lagoas. Percebemos que nesse ofò evoca-se o poder dessa planta de conseguir manter-se sempre por cima da água!
Em território Yorùbá, na preparação dos trabalhos ligados à obtenção de todo tipo de sorte, ou para afastar algum mal, esses vegetais são pilados e misturados ao sabão africano Ose (oxé) Dudu, com o qual toma-se banho, ou então são torrados, até a obtenção de um pó, que poderá ser misturado à comida, a bebidas destiladas, ou até mesmo esfregado em incisões feitas no corpo, particularmente nos punhos.
Essas práticas quase não sobreviveram aqui no Brasil, por ocasião da reestruturação do culto aos Òrìsà, no entanto há uma prática viva entre nós: o Oro Asa Òsónyìn ou Sassanha, como é mais conhecido, um ritual realizado nas casas de raízes Yorùbá, que significa basicamente: Ritual de proteção de Òsónyìn. Utilizamos o recurso dos “cânticos da folhas” para determinar que as oferendas sejam cobertas de realizações, uma vez que esses cânticos possuem “verbos atuantes” que facilitam a comunicação entre o povo e os Ancestrais Divinizados. No caso de uma Iniciação para Òrìsà ou “Feitura de Santo”, este ritual é realizado para preparar a “esteira”, onde ficará deitado o iniciado e o “banho” para lavar todos os seus objetos rituais, bem como para os seus banhos matinais diários.
Referências Bibliográficas:
- Monteiro, Marcelo dos Santos, 1960 – Curso Teórico e Prático de Folhas Sagradas – Oro Asa Òsónyìn – Rio de Janeiro – 1999 – 59 p. (Biblioteca Nacional);
- Verger, Pierre Fatumbi – Ewé: o uso das plantas na sociedade ioruba – São Paulo: Companhia
das, Letras, 1995;
- CD “Dentro do mar tem rio”, Maria Bethânia – Gravadora Biscoito Fino.
- Contato: ulissesmanaia@hotmail.com
(Artigo catado do site: www.ocandomble.wordpress.com)

domingo, 6 de novembro de 2011

POR UMA QUESTÃO DE DIGNIDADE

Babaloorisá João Bosco D’Sangò



Novembro comemora-se o mês da Consciência Negra. Comemorações e festas não irão faltar pelo Brasil a fora. Nada contra festas, porém cremos ser ínfima diante do cotidiano injusto que ainda perpassa a realidade de nós afrodescendente. Devemos sim comemorar o 20 de novembro, afinal entre tanto outros heróis negros que temos Zumbi – o líder do Quilombo de Palmares é um deles. Mas também deve-se aproveitar esse mês para discutirem-se os meandros que pairam as religiões de matriz africana.

Refletir acerca do que seja ter consciência negra entre nós religiosos de matriz africana é perceber a importância do diversos povos negros que com a diáspora africana vieram para nosso país na condição de escravizado. Porém, o que percebe-se entre um variado grupo de lideranças religiosas de matriz africana é ainda a ausência de compreensibilidade sobre do papel do candomblé na formação social e cultural do Brasil. Estes religiosos poucos informados e também poucos formados do seu papel social resume-me as suas funções em apenas e tão somente religiosas. Esquece-se os mesmo que nossa função enquanto lideranças vai muito além, visto que lidamos com seres humanos, e como tal são desejosos de respostas para suas vidas. Portanto a luta por dignidade humana, por conhecer a história do povo negro tanto na África quanto no Brasil.

Discutir dignidade do negro no Brasil é destacar a luta de um povo que com garra nunca curvou-se diante de seus opressores. E isso as lideranças religiosas do candomblé, além de conhecer essa história devem ressaltar tais fatos para seus liderados, pois como enaltecer o candomblé sem, contudo conhecer o processo de diáspora africana para o nosso país?

Ressalvo que nós liderança religiosas temos obrigação de estudar, conhecer e saber não só sobre candomblé e sim sobre a história e cultura africana e afrobrasileira de uma forma geral. Dessa forma estaremos compreendendo ou pelos menos tentando compreender a alma do negro e do afrodescendente no Brasil, visto que em nossos templos estão presentes pessoas das mais diversas índoles e personalidades. Por isso sacerdotes e sacerdotisas do candomblé devem estar muito bem preparados (as) para lidar com as angustias e mazelas humanas, especialmente do ser humano negro.

No mês da consciência negra este meio de comunicação deseja aventar discussão sobre o papel do sacerdote e sacerdotisa de candomblé como lideranças religiosas e seu papel na sociedade como um todo. Para tanto selecionou-e artigo em que traz as tona a questão das intolerâncias aos praticantes de religião de matriz africana. Visto que é impossível as lideranças religiosas de matriz africana fechar os olhos para essa cruel realidade existente em todos os cantos do Brasil. O artigo propõe a discutir os percalços da vivência cotidiana da dimensão de fé de matriz africana na sociedade brasileira mediante o crescimento da intolerância religiosa. Os autores afirmam que o crescimento da intolerância religiosa em relação aqueles (as) que professam a fé nas religiões dos Orixás tem instigado pesquisadores(as), uma vez que influenciam o processo de interação social. Nas relações familiares, nas escolas, no mundo do trabalho, e até mesmo no simples andar pelas ruas das cidades, as práticas de intolerâncias têm se revelado como afronta à dignidade humana.

Na lenda do deste mês intitulada O Valor do Trabalho, procura demonstrar a importância do trabalho na vida dos seres humanos, como também evidenciar que todo e qualquer trabalho é digno, desde que realizado com gosto e prazer.

Quanto ao calendário de atividades do mês da Egbè Omorisá Sangò são as seguintes:

-Dia 05 (Sábado) das 15 às 17 horas- Atendimento Público;

-Dia 09 (Quarta Feira) Amalá;

-Dia 12 (Sábado) Participação do Ipeté (Festa de Osùn) na Egbé Oni Odé –Campo Grande –MS;

- Dia 19 (Sábado) das 15 às 17 horas- Projeto Entendendo o Candomblé de Nação Ketu – Roda de discussão e debate;

- Dia 26 das 15 às 17 horas- Projeto Entendendo o Candomblé de Nação Ketu – Roda de discussão e debate.

Esperamos com esses escritos contribuir para uma melhor compreensibilidade das religiões de matriz africana no Brasil, e desejamos a todos e todas um mês de alegria e sucesso. Boa leitura da todos (as)

PARA ALÉM DOS MUROS DO ILÊ: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS DE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA


José Geraldo da Rocha (Unigranrio/LEECCC-UFF)

Cleonice Puggian (Unigranrio)

Luana Rodrigues (Unigranrio)







Neste texto descrevemos os resultados da pesquisa sobre a intolerância religiosa vivenciada pelas pessoas que professam a sua fé nas religiões dos Orixás. Tal intolerância tem marcado a vida cotidiana dessas pessoas e criado transtornos e constrangimentos nos processos de interação social. Já não se discriminam mais apenas quando essas pessoas então realizando seus cultos nos terreiros, no Ilê, mas ao serem identificadas como pertencentes ao Ilê em qualquer esfera das relações sociais. A intolerância então passa a solapar a dignidade, seja no mundo do trabalho, na escola, na vida familiar, na rua e nas relações com os organismos públicos.

Iniciaremos este trabalho esclarecendo alguns termos utilizados no estudo e situando a questão da intolerância religiosa. Em um segundo momento, apresentamos de forma sucinta informações sobre a Baixada Fluminense – nosso campo de pesquisa – e a metodologia utilizada, e finalmente, abordaremos alguns dos depoimentos colhidos em campo e suas implicações nos processos de interação social.



Esclarecendo os termos e situando a intolerância religiosa

Religiões de matriz africana é um termo geralmente utilizado para designar as práticas religiosas desenvolvidas pelos negros no Brasil. Segundo Verger, (1981) as primeiras menções às religiões africanas no Brasil são de 1680, por ocasiões das pesquisas do Santo Oficio da Inquisição, quando Sebastião Barreto denunciava o costume que tinham os negros, na Bahia. Quando se fala de “religiões de matrizes africanas”, não está fazendo distinção entre os pertencimentos vinculados às tradições sejam elas, ketu, jêje, nagô, nação ou angola. Nem tampouco distinção entre candomblé , batuque, tambor e umbanda. Isto porque, a intolerância é generalizada, estendida a todos os que professam as religiões dos Orixás, cujo rótulo ou estigma passou a ser naturalizado nas relações sociais como “os macumbeiros”.

Ilê é o terreiro, que segundo a cultura yoruba, significa casa, ou então, o espaço de realização do culto sagrado nas tradições dos orixás. Orixás são as divindades cultuadas nos terreiros, entendido como uma força pura, uma energia imaterial ou mesmo um ancestral divinizado (VERGER 1981)

Já o termo “intolerância religiosa” refere-se a atitudes, que são expressas por gestos e palavras – “Fui agredido na minha rua por uma pessoa evangélica que discriminou uma filha de santo minha, quando ela estava de resguardo”(…) “…palavras agressivas que já conhecemos, que trazem consigo a intolerância religiosa, e eu, sinceramente, me senti muito mal” (…) “o lixo do barracão ele não leva” ].Tais atitudes revelam inabilidades, preconceitos e uma indisposição em relação ao reconhecimento e o respeito às diferenças ou crenças religiosas do outro. Do ponto de vista da origem, pode-se afirmar que tal intolerância está relacionada ao sistema de convicção religiosa nas próprias crenças dos indivíduos ou mesmo na incapacidade do indivíduo de compreender as crenças e práticas religiosas diferentes da sua e consequentemente, admitir o seu direito à existência.

A intolerância religiosa, bem como a discriminação, são fatos sociais, que em conformidade com a teoria sociológica de Émile Durkheim, estão caracterizadas em função da sua generalidade. Em tempos de recrudescimento da intolerância e da discriminação étnico-racial mundo afora, verifica-se que nos países da Comunidade Européia os judeus permanecem como alvos principais, seguidos de perto por muçulmanos e imigrantes de várias nacionalidades. Há conflitos envolvendo protestantes x católicos; judeus x católicos; islã x cristãos; ocidentais e tradições afro.

Segundo Hans Kung (1993), não haverá paz no mundo sem uma paz entre as religiões. Uma grande quantidade de conflitos entre povos nos vários continentes tem em suas raízes a questão religiosa. O entendimento entre as diferentes religiões é exigência para a convivência digna entre os povos, entre as culturas, entre as nações e entre os cidadãos.

Nessa perspectiva, são notórios os esforços realizados no mundo inteiro buscando formas de superação da intolerância religiosa. A intolerância religiosa amplamente discutida na Conferencia Mundial de Durban, na África do Sul, em 2001), instigou os países membros das Nações Unidas e envidar esforços na busca de superação de tal situação.

Desde os tempos da colonização na América Latina, a fé professada a partir dos elementos da africanidade, tem sido concebida pela cultura dominante como uma prática primitiva, agressiva aos “bons costumes” e não raro associada às coisas do demônio. No contexto da colonização, as expressões religiosas que se opusessem ao projeto colonial, eram identificadas como algo maléfico e não pertencente a Deus. Tal concepção estava fundamentada no postulado “fora da igreja não há salvação”.

A vivência da religiosidade de matriz africana no Brasil no período colonial significou uma estratégia de resistência cultural dos diferenciados grupos afros brasileiros. No contexto de dominação colonial professar a fé em qualquer outro tipo de religião que não o cristianismo significava tornar-se alvo de perseguição. A historia do país está repleta de eventos que atestam tal violência (FRISOTTI, 1992; ROCHA, 1993; SANTOS & ROCHA, 2007). Em um período em que toda expressão religiosa pertencente aos negros estava associada à coisa do demônio, desenvolver o culto aos Orixás passou ser um desafio para não serem descobertos. O tocar durante a noite, às escondidas tornou-se algo natural nesse universo. Tal necessidade acabou chegando até nossos dias. Em uma nova configuração de ocupação de espaços, do ponto de vista da vivência religiosa, os afros brasileiros vão deparar com novas formas de intolerância religiosa. É a chamada intolerância cotidiana.

A temática da discriminação e intolerância religiosa relacionada às religiões de matrizes africanas no Brasil é uma realidade que vez por outra ressurge também no universo da academia. Com o evento da lei 10.639, que instituiu o ensino da história da África e da Cultura Afro Brasileira na rede pública e privada do Ensino Básico, alguns aspectos dessa realidade têm evocado uma postura diferenciada de acadêmicos e educadores. Trabalhos como “O Terreiro e a Cidade” de SODRE (1998) surge como uma importante contribuição na compreensão das organizações e delimitações dos espaços urbanos e suas relações com as práticas religiosas de origem africanas no país. Munanga (2005) alerta para a necessidade de superar os preconceitos, a fim de que os educadores possam lidar com os aspectos da diversidade presente na cultura brasileira. Essa pluralidade vai fazer com que cada um tenha maneiras diferentes de falar de Deus (THEODORO, 2005), o que na comunidade negra ocorre através da oralidade no cotidiano das práticas religiosas. Ainda segundo Theodoro (2007), tais comunidades tornam-se espaços estruturadores de identidades e de formas de comportamento social e individual.

Nessa perspectiva o trabalho de Benjamin (2006) oferece uma contribuição importante. Na coleção “A África está em nós” os aspectos religiosos ligados à cultura afra brasileira vão aparecer como uma herança e riqueza na sociedade, os quais podem ser ensinados e apreendidos.

No processo de recolocação dos valores presentes nas culturas de matrizes africanas, no tocante à religião, Rocha (1998) aponta a necessidade de uma reinterpretação do cristianismo para garantir o direito ao respeito e à liberdade religiosa dos segmentos de matrizes africanas. Seguindo uma mesma perspectiva, Santos (2007) elabora seu trabalho fazendo reverberar a tolerância religiosa através da ética a ser estabelecida na sociedade, considerando e respeitando a fé de homens e mulheres que professam a religião dos orixás como divindades criadas por Olorum.

Tal preocupação transparece também no trabalho de Barros (2007), quando sistematiza a história de Xangô como uma historia que a escola vai poder contar.

O aumento da intolerância religiosa vem mobilizado diversos setores da sociedade para lutar e fazer valer o direito à liberdade religiosa assegurado na Constituição. Foi criada a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, com membros de diversas denominações religiosas, que organizou uma mobilização, cujo resultado levou às ruas no Rio de Janeiro em 2009 mais de 10 mil pessoas na Orla de Copacabana a levantar um grito de protesto. Naquela ocasião foi produzido um Guia de Combate à Intolerância Religiosa (SILVA, 2009).

Vivemos ainda hoje em uma sociedade na qual se verificam atitudes de preconceito, de intolerância e de discriminação em relação aos adeptos e às religiões de matrizes africanas, em flagrante desrespeito ao texto constitucional que assegura a liberdade de crença a todo brasileiro. As atitudes de desrespeito explicitam elementos que configuram simbolismos e arquitetam a constelação de ritos e linguagens que regem práticas cotidianas de interação social. (GOFFMAN, 2009)

Constatar que a intolerância religiosa e a discriminação étnico-racial fazem parte do nosso cotidiano tem despertado em algumas instituições e segmentos da sociedade, em especial nos agrupamentos afro-religiosos, uma tendência de repulsa e mesmo de reivindicação de direitos diante do Estado. Há manifestações de protesto como caminhadas em defesa da liberdade religiosa, fóruns de debates sobre intolerância religiosa e a organização de seminários que discutem a relação entre Estado e religião. Artistas, intelectuais e representantes de outras religiões têm participado desse movimento e são também freqüentes as matérias de jornais, revistas e os noticiários e programas de televisão dedicados ao assunto.

O tema tem despertado interesse e necessidade do desenvolvimento de pesquisas nas academias brasileiras. Nesse contexto surge a presente pesquisa a partir da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO), localizada em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.



O campo de pesquisa e a metodologia

O campo onde se desenvolveu nosso trabalho é uma região onde se concentra um grande número de terreiros e, conseqüentemente, conflitos de natureza religiosa.

A Baixada Fluminense é uma região composta por vários municípios que formam a região metropolitana do Rio de Janeiro. Estima-se que existam em torno de cinco mil casas de cultos afros brasileiros, embora esses dados não possam ser comprovados dada a escassez de pesquisas sobre este tema. A população da região é marcadamente afro descendente. Do ponto de vista da religiosidade de matriz africana, a região ostenta ser o local para onde veio o Candomblé da Bahia. Assim sendo, a origem do Candomblé no Rio de Janeiro estaria associada à Baixada Fluminense. As casas e as personalidades mais famosas do universo religioso da matriz africana no Rio de Janeiro estão na Baixada Fluminense.

A região é também caracterizada pelo baixo poder aquisitivo da maioria da população. A condição sócio-econômica da população constitui um desafio político que há décadas implora soluções. O contexto de pobreza e miserabilidade acabou transformando a região em um “fértil terreno” de crescimento para inúmeras igrejas de denominações cristãs. Com promessas de curas para todos os males, inclusive a prosperidade financeira, desencadeou-se nessa região uma avalanche religiosa. Em contrapartida, o aumento dos conflitos com os praticantes das religiões de matrizes africanas foram se acentuando. Dentre os “males” a serem combatidos pelas denominadas igrejas evangélicas, está a expulsão do “demônio” presente nas práticas dos terreiros. Inicialmente tratava-se apenas de um “exercício de conversão” pela via da pregação e do convencimento. Com o passar do tempo, a pregação passou a ser um ato de desmoralização dos praticantes das religiões de terreiros, até chegar a agressões verbais e físicas, além dos ataques e depredações a espaços de culto. Nosso estudo indica que o fenômeno da intolerância religiosa evidenciado nos últimos anos termina por demarcar várias esferas das relações sociais, criando limites para aqueles que professam as religiões de matrizes africanas.



A metodologia utilizada na pesquisa

A pesquisa consistiu fundamentalmente em um estudo etnográfico com uma abordagem basicamente qualitativa, considerando, inclusive, o fato de as informações obtidas serem coletadas no próprio contexto, o que pode dar-lhes mais sentido. Assim, a investigação incidiu sobre as narrativas dos membros das comunidades-terreiro, centrando a reflexão nas questões que envolviam práticas de discriminação e de intolerância religiosa das quais foram vítimas. Tomando por base essas considerações, optamos por desenvolvermos nossa investigação direcionada para uma amostra de cinqüenta terreiros, nos municípios de Duque de Caxias, usando como estratégia investigativa a visita às casas, conversas com com os participantes e sobretudo, escuta de suas experiências. As visitas aos terreiros se deram inicialmente a partir de um conhecimento prévio de algumas casas de santo situadas na região. Após essas visitas, foram silictadas pelos pesquisadores, indicações de outras casas que pudesse ser visitadas. O passo que se seguia era o contato com as casas, feito pelo coordenador da pesquisa e o agendamento das visitas. Assim, de casa em casa foi se dando o cumprimento da meta estabelecida para o trabalho de campo. Uma vez cumprido o trabalho de campo, passu-se à organização e classificação do depoimentos recolhidos.



Os depoimentos e suas implicações na interação social

A pesquisa demonstrou através dos depoimentos que as diferentes dimensões da vida de nossos entrevistados são afetadas pela intolerância, interferindo diretamente no processo de interação social. Cabe ressaltar que por razões de confidencialidade, os nomes arrolados nos depoimentos são todos fictícios.



a) Na esfera da vida familiar

A família é o primeiro espaço de interação social de todos nós. Ali se dão os ensinamentos básicos e primeiros aprendizados da convivência humana. As concepções de valores éticos e morais são ensinadas no cotidiano familiar. Muitos tipos de violências nos dias atuais acabam impactando essa relação. A vivência da religião de matrizes africanas tem se colocado como desafio para a continuidade das relações familiares onde existem diferentes inserções e profissões de fé.



[No meu caso a intolerância começa dentro de casa na minha família. Sou de tradição católica e essas coisas de terreiro lá em casa são vistas com muita reserva. Ao tomar conhecimento de minha pertença religiosa ligada aos ancestrais e que tinha que cuidar do meu santo, resolvi fazer tudo escondido para não criar um mal estar na minha família. Na casa da minha mãe ninguém sabe que fiz santo. E se me perguntarem eu nego. Minha sorte é que não moro mais com eles no dia a dia. Quando preciso fazer minhas obrigações no terreiro digo a eles que vou viajar. Assim levo a minha vida.] ( LÚ)



É muito comum na constituição das famílias brasileiras encontrarmos pessoas ligadas direta ou indiretamente a diferentes inserções religiosas. Por se tratar de relações familiares os conflitos acabam sendo contornados. Os laços consangüíneos influenciam decisivamente os processos de busca de soluções nos relacionamentos. Em muitos casos a tônica é a dissimulação como elemento chave da convivência. “sou, mas é como se não fosse, pertenço, mas é como que não pertencesse”. O rompimento com a família em função da vivência religiosa só ocorre em casos extremos. Nesses casos as religiões de matrizes africanas estão colocadas como fator determinante.

[Sou professora do ensino fundamental e catequista. Quando descobri que teria que iniciar num terreiro por questão de saúde foi um drama. Minha família não poderia ficar sabendo. Eu não tive coragem de contar. Saí de casa e fui morar com um grupo de pessoas militantes do movimento negro numa pequena comunidade na Baixada. Aproveitei esse tempo e preparei tudo o que precisava. Quando ia me recolher, disse a eles que ia fazer uma viagem. Eles só ficaram sabendo na verdade depois que tudo já havia acontecido. (…) foi um tempo muito difícil. Nunca mais a minha relação com a família foi a mesma. Eles vivem esperando que um dia eu abandone esse caminho errado.] ( JOANA)

O depoimento acima é uma expressão dessa necessidade de preservação das relações familiares. Existem determinadas situações que para o bem da família é melhor nem contar. Nesse caso específico a saída foi certo distanciamento do núcleo familiar. O medo de contar na verdade é o medo de não ser compreendido e a certeza de não ser aceito. A “harmonia” na família não deve ser quebrada e sendo assim, é mais prudente “dar um tempo”, sair em busca de um espaço onde haja acolhimento e aceitação da nova vivência religiosa.

A insegurança e o medo que a pertença às religiões de matrizes africanas gera para na família acaba sendo reproduzida em outros ambientes sociais.



b) O mercado de trabalho

A vivência da religiosidade de matriz africana não pode ficar restrita ao tempo em que o indivíduo está no Ilê. Ela também é vivenciada no cotidiano das relações humanas no mercado de trabalho, onde a pertença religiosa também foi ocultada pelos participantes do estudo, sob pena de perder o emprego.

[Tenho 58 anos, trabalho há trinta anos como professora de primeira a quarta em uma escola de freiras. Todos esses anos tive que esconder minha religião. Eu sabia que se as irmãs descobrissem minha religião eu seria mandada embora do trabalho. Nesses anos presenciei inúmeras vezes as formas desrespeitosas com que tratavam minha religião. A dor era maior por não poder reagir, pois reagir naquela situação era certeza de perder o emprego. Quantas vezes para não aparecer na escola com marcas de minha religião tive que inventar uma doença, forjar um atestado médico para justificar minhas faltas. Na minha religião existem preceitos que muitas vezes exigem usar um turbante branco, ou até mesmo toda a roupa branca. Como aparecer assim na escola? É muito difícil fingir essas coisas. A gente aprende com o tempo a conviver escondendo essas coisas que para nós são tão preciosas. O preconceito é muito grande. As pessoas não entendem ou não querem entender, então discriminam. Acho que elas nem se perguntam pelo sofrimento que a gente sente com essas discriminações. E assim a gente vai vivendo.] ( JOSELIA)

Diante da intolerância e da discriminação eminente no mercado de trabalho, a ocultação da prática religiosa funciona como estratégia de resistência elaborada em conformidade com cada situação. Nesse contexto, os que professam a fé nas religiões de matrizes africanas, têm a consciência dos fatos. Além disso, sabe que não pode reagir, pois a consequência será inevitavelmente a perda do emprego. Trata-se de certo modo de uma resignação diante da injustiça. E como solução vã lançar mão do famoso “ jeitinho brasileiro”. (REGA, 2009)

Saindo da esfera das relações no mercado de trabalho, a escola aparece como outro ambiente de afronta da dignidade humana em virtude da vivência religiosa.



c) A escola

A escola como instituição social tem a prerrogativa de fornecer uma educação para a formação do cidadão. Ali a responsabilidade dos educadores é garantir os elementos mínimos necessários para que a convivência social se estabeleça com base nos princípios do respeito à dignidade humana. Pressupõe-se que os preconceitos, a discriminação e a intolerância não condizem com a missão dos educadores, nem com o papel da educação.

[Estudo em uma escola pública e tem muitos alunos de igrejas evangélicas. Quando me iniciei no santo e tive que usar minhas vestes brancas foi um grande problema. A discriminação e a intolerância foram impressionantes. Alguns alunos chegavam a fazer ameaças físicas. Então reclamei junto à direção da escola. Fui informado que a escola não poderia fazer nada. Contei então para minha mãe de santo, que foi à escola tirar satisfação. Ela foi informada pela direção que a escola não poderia se responsabilizar pela situação e que seria melhor eu sair da escola. A direção colocou como condição da minha continuidade na escola um termo de compromisso da mãe de santo se responsabilizando pelo que pudesse acontecer comigo.] ( MARQUINHO)

A escola é um espaço privilegiado de formação para o respeito e para a convivência humana. É ali onde passamos maior parte do tempo em que formamos nossa personalidade, nossos comportamentos. Ensinar a conviver com as diferenças é uma dentre as várias missões dos educadores. A negação da escola em desempenhar, em profundidade, o seu papel educacional vai influenciar o modo como no cotidiano se darão as relações. Então, o que se presencia nas ruas acaba significando também expressão do aprendizado escolar ou da falta dele.



d) A rua

A naturalização do desrespeito aos praticantes das religiões de matrizes africanas vem ganhando proporções que não condizem com os princípios constitucionais de uma sociedade democrática. A iniciação, em um terreiro, e as formas de vida dela decorrentes, não poderiam servir de pretexto para práticas de intolerância nas relações sociais.

[Por várias vezes fui discriminado pela minha religião, em todas às vezes me senti muito mal, o que não é de se estranhar, quando se é violentado na sua fé. E dói muito quando acontece na sua rua, no seu bairro, onde você vive e exerce sua fé. Fui agredido na minha rua por uma pessoa evangélica que discriminou uma filha de santo minha, quando ela estava de resguardo. E eu fiquei muito chateado e fui tomar “satisfação” com ele e aí ele me disse palavras grosseiras e disse que nós fazíamos culto ao demônio, que Jesus ia salvar somente a ele e que eu iria para o inferno. Palavras agressivas que já conhecemos, que trazem consigo a intolerância religiosa, e eu, sinceramente, me senti muito mal. Eu nasci e vivo nesta rua até hoje, e depois que eles construíram essa igreja ao lado do nosso Barracão os transtornos começaram.] ( PAULO)



Ainda falando sobre a relação que se estabelece na rua, é extremamente relevante o depoimento que revela o constrangimento vivenciado por universitários em Duque de Caxias.

[… Isso aconteceu uma vez quando uma Yaô da minha casa de candomblé que estava de kelê (resguardo), pois tinha feito santo a pouco tempo, pegou uma carona comigo do trabalho dela no Rio até Caxias, na época em que eu fazia faculdade. Eu deixei meu carro no estacionamento em frente a ao Colégio Duque (onde funcionava o curso de artes) e fui com ela até o ponto de ônibus onde ela pegaria um ônibus para sua casa também em Caxias. Quando estávamos descendo a rua em direção ao calçadão de Caxias, um grupo de pessoas que estavam na sorveteria bem perto da esquina do colégio começaram a gritar que ela estava com o diabo e que só Jesus poderia livrá-la daquilo etc. Eles gritavam sem parar e alto. Confesso que fiquei sem graça e com uma certa vergonha, não da Yaô, mas sim pela situação, pelo desrespeito. Tive vontade de xingá-los, mas se eu fizesse isso chegaria ao patamar baixo daquelas pessoas e me igualaria a elas, simplesmente peguei no braço da Yaô abaixamos a cabeça e seguimos nosso caminho. Sinceramente não quero que me tolerem, eu quero que me respeitem.] (LUIZ)



A rua é um espaço público. As pessoas têm o direito de ir e vir. Entretanto, alguns se acham no direito de desrespeitar e afrontar aqueles que professam as religiões de matrizes africanas. A pesquisa demonstra que a simples presença de uma Yaô passando pela rua incomoda as pessoas. O fato de andar nos espaços públicos com elementos que identificam a fé vivenciada pelas pessoas de Ilê é motivo suficiente para serem desrespeitadas.

Outro episódio interessante se passa em um ônibus em um bairro de Duque de Caxias e corrobora para o entendimento de como em espaços públicos a intolerância se manifesta.



[Entrei num ônibus em um bairro em Duque de Caxias e o trocador disse Jesus te ama – eu estava com minhas guia no pescoço e meu ojá na cabeça. - então eu lhe disse – Oxalá nos ama a todos – ele ficou indignado e iniciou um discurso religioso, uma verdadeira pregação em nome de Jesus para que eu um dia pudesse conhecer a Jesus e o aceitasse em meu coração, na minha vida. Fiquei surpresa com a atitude das outras pessoas no ônibus. Umas cinco pessoas se juntaram a ele para orar pela minha vida. Ao tentar argumentar que o ônibus não era um templo da igreja deles. O trocador, mostrando uma bíblia dizia que o nome de Jesus devia ser pregado a todos os povos, em todas as nações, em todos os lugares em todos os tempos. Diante do clima de animosidade que se formou, desci do ônibus antes do meu ponto de destino. Ao sair ouvia as pessoas dizerem quase que gritando – repreende senhor.] (RAFAELA)



e) A relação com os organismos públicos

Chama-nos a atenção ainda o fato de muitos dos comportamentos e atitudes de intolerância encontrar respaldo na forma como alguns organismos do Estado se relacionam com os terreiros, lugares de culto das religiões de matrizes africanas. Historicamente o Estado brasileiro desenvolveu, de modo sistemático, descriminação e exclusão em relação a essas práticas religiosas. Alguns órgãos públicos, ainda nos dias atuais, continuam sustentando tais procedimentos, embora a Constituição estabeleça que é papel do Estado a garantia dos direitos do cidadão. O depoimento a seguir ilustra gravidade do problema.

[Existe uma discriminação que é institucional. Organismos como defensoria pública, polícia e prefeitura, afrontam, discriminam e recriminam os terreiros na Baixada Fluminense. Alguns desses órgãos colocam certas exigências para os terreiros existirem, que não são colocadas para as igrejas das demais religiões.] (TEREZA)



A historia do país está repleta de episódios, nos quais, o Estado brasileiro atuou como órgão repressor dos terreiros, prisão das Yalorixás e Babalorixás. Abrir um terreiro era caso de polícia. O seu funcionamento requeria o alvará. Impressiona-nos o fato de que reminiscências de tais práticas possam persistir na atualidade.

As práticas de intolerância e discriminação vão então perpassar os vários setores do poder público até chegar, incrivelmente, no processo de coleta pública de lixo.



[Meu barracão está há muitos anos nessa rua. Mesmo assim a discriminação continua. Aqui para você ter idéia, até o lixeiro discrimina. O caminhão do lixo passa duas vezes por semana na minha rua. Eles pegam o lixo de todo mundo. O lixo do barracão ele não leva.]( MARIA)



O desabafo dessa Yalorixá demonstra sua consciência apurada a respeito dos processos de intolerância e discriminação. A percepção das “sutilezas” nas práticas e atitudes no cotidiano social revelam o grau de humilhação a que são submetidos os que, como ela, professam suas vivências de fé a partir do terreiro.



f) Religião para religião

Os participantes das religiões de matrizes africanas que já encontram tantas dificuldades nas esferas das relações sociais, quando se trata de relacionar com outras denominações de fé, os problemas e dificuldades são ainda maiores. Algumas concepções de Deus presentes em muitas denominações religiosas acabaram se apropriando da “verdade” religiosa. A absolutização da verdade como realidade presente apenas na sua religião tem criado muitos problemas e aumentado a intolerância em relação ao diferente. O depoimento a seguir nos revela como algumas denominações religiosas tratam as pessoas que participam de terreiros.



[O Barracão onde freqüento, na esquina tem uma igreja cristã e sempre que passamos em frente à igreja o pastor aumenta consideravelmente a música, com louvores direcionados a nós, dizendo que somos filhos do diabo, que devemos ir para a casa de Deus, que onde nós estamos não é a casa de Deus que não há nada que preste. Isso nos dias de função, quando estamos todos lá, e não acontece só comigo, e sim com todos os que fazem parte da nossa religião. (…) Todos nós nos preparando para uma festa bonita e alguém que se diz seguidor de Cristo dizendo que íamos queimar no fogo do inferno, proferindo coisas negativas, muito ruins, coisa horrível.] (CLAUDIA)



As dificuldades em reconhecer o direito da liberdade de expressão religiosa estão associadas por um lado, aos preconceitos em relação às manifestações de fé dos negros na sociedade brasileira e ao proselitismo – o desejo de aumentar o número dos fiéis de uma determinada denominação religiosa. Por outro lado, afirma Silva, o combate às religiões de matrizes africanas,



parece ser uma estratégia para monopolizar seu principal bem no mercado religioso, as mediações mágicas e a experiência do avivamento- em forma de êxtase religioso-, transformando-o em um valor interno do sistema neopentecostal (…) o reconhecimento de um valor no outro que poderá servir aos meus caprichos induz a implementação de estratégias de apropriação dos mesmos(SILVA,2006, p.208-209)



Com base nas afirmações de Silva é possível vislumbrar uma compreensão do porque das seções de descarrego – prática das religiões desenvolvidas nos terreiros, tomarem tamanha significância nos cultos realizados pelas denominações neopentecostais.

Ainda que no presente texto, os dados apresentados sejam parciais, os detalhes revelados pela pesquisa atestam a necessidade de envidar esforços em prol de mundo onde as diferenças sejam compreendidas apenas como diferenças; um mundo onde a dignidade das pessoas seja marco regulador do diálogo e das relações humanas. Em um contexto de pluralidade cultural e religiosa como é caracterizada a sociedade brasileira, o respeito às diferenças é condição si ne qua non para uma digna convivência social.

“Para Além dos Muros do Ilê: experiências e vivências da intolerância religiosa” é uma contribuição trabalhada na perspectiva do respeito e valorização do outro.

Referências bibliográficas:



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GOFFMAN, Erving. Estigma, notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4ª edição, Rio de Janeiro: LTC, 2008.

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VITA, Álvaro. Nossa constituição. São Paulo. Ática, 1989.


LENDA- O VALOR DO TRABALHO

    Certo dia Orunmilá resolveu visitar um amigo que morava muito longe.


    O Orixá tinha o endereço do amigo, mas não sabia como chegar à sua casa, que ficava no interior de uma floresta muito densa.
     Em busca de sua meta, Orunmilá acabou se perdendo e, andando a esmo, dava voltas e acabava chegando sempre ao mesmo lugar.
    Cansado e desalentado, estava a ponto de desistir quando, providencialmente, encontrou Exu, que andava por aquelas bandas.
- Aború, Boiyè, oh! – saudou o adivinho cordialmente. E, Exu, também com cordialidade, respondeu:
- Boxixê oh!
- Que bom encontrá-lo, Exu! Disse Orunmilá. – Há horas estou perdido nesta floresta, para onde vim em busca da casa de um amigo. Ando, ando, e acabo sempre voltando ao local de partida.
- Isto é muito comum às pessoas que, como tu, não estão acostumadas a caminhar dentro das florestas. Andam em círculos e acabam sempre no local de onde partiram – confortou Exu.
- Conheces bem esta floresta? – perguntou Orunmilá
- Sim! – respondeu Exu. – Conheço-a tão bem como a palma de minha mão direita!
- E a casa de eu amigo, sabes onde fica?
- Certamente que sim! Pouco antes de encontrar-te passei diante dela e posso assegurar-te que não fica muito distante daqui!
- Neste caso, Exu, que tal se me levasse até lá? Como sabes, vim de muito longe e já estava a ponto de desistir da visita quanto te encontrei. Se fizeres o favor de conduzir-me, ficar-te-ei muito grato, pois não terei perdido o meu tempo, que, como sabes, é muito valioso.
-Sabe o que é, Orunmilá? – disse Exu com ar matreiro. – Estou com muita pressa. Vou a uma reunião de negócios onde muito dinheiro está em jogo. Se não chegar em tempo, provavelmente sofrerei algum prejuízo de ordem financeira e, sabes muito bem, detesto perder dinheiro.
- E se eu te pagar para me conduzires? Diga quanto queres e estarei pronto a recompensa-te – respondeu Orunmilá, que já havia compreendido as intenções de seu interlocutor.
- Já que insistes tanto, poderei te levar à casa do teu amigo se me pagares a importância de 16 caurís.
   Como? Perguntou o Oluô com espanto – Dezesseis caurís? Não achas que é demais Exu? Dezesseis caurís é o valor que cobro por minha adivinhações e tu nem ao menos sabes Ifá!
-É verdade, Orunmilá. Eu não sei Ifá! E tu, grande sabichão, por acaso sabes o caminho?
-Sem dizer mais nada, Orunmilá tirou de sua capanga os 16 caurís, entregando-os a Exu, que, prontamente, conduziu-o à casa do se amigo que, como dissera, estava muito mais próximo do que podia imaginar o adivinho.
    Desta forma, Exu ensinou uma coisa a Orunmilá: cada um é importante naquilo que sabe fazer com perfeição. Não existem profissões mais ou menos importantes que as outras.
  To homem [ e mulher] que, com dedicação, exerce e dignifica o seu trabalho, deve ser recompensado, não cabendo a ninguém estabelecer o valor do mesmo.



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Pensar, Louvar e Agir


Babálòórisá João Bosco D’Sangó


Há coisas que são difíceis de compreender neste mundo, como também há coisas que não se pode admitir em pleno século XXI. Entre outras coisas, é impossível admitir a falta de respeito à forma de pensar agir e louvar de determinado grupo social. Como já referido em escritos de meses anteriores, em se tratando de século XXI, estamos vivendo momento importante para a história da humanidade, visto que em todos os cantos do planeta Terra falasse em respeito à diversidade. E o Brasil, como fica nesse contexto?

            Em um país com uma diversidade cultural imensa como é o nosso, não deveria ter lugar para intolerâncias religiosas, visto que a história e cultura africana e afrobrasileira esta presente em todos os cantos e rincões desta nação.

            Não da para admitir mais em nossas escolas atitudes de professores (as), como a desta descrita no artigo intitulado: “Intolerância Religiosa afeta autoestima de alunos (as) e dificulta aprendizagem”.

            Se existe professores (as) que ainda insistem em fazer de suas salas de aulas uma extensão do púlpito de sua igreja é porque também existem pais e responsáveis que fecham os olhos para as discriminações e preconceitos religiosos que sofrem seus filhos e filhas no ambiente escolar.

            Cremos que seja hora de nós religiosos (as) de matriz africana, especialmente das diversas Nações de Candomblé, sairmos do ostracismo, em defesa dos nossos (as) e filhas (as) em idade escolar. É impossível se calar diante de tanta injustiça que cotidianamente sofrem alunos (as) praticamente de religiões de matriz africana. Pois, ao calarmos estamos reforçando o preconceito e a discriminação contra nossas crianças, jovens e adultos que estão matriculados nos variados níveis educacionais nas escolas brasileira.

             Asseguramos que é muito fácil e até certo ponto cômodo batermos no peito e dizermos que somos de Candomblé dentro dos espaços de nossos templos. Agora, o que realmente necessitamos é nos afirmemos identitáriamente como religiosos (as) de matriz afro em todos os espaços sociais. Especialmente nós de Candomblé de Nação Ketu, pois enquanto não mostrarmos a que viemos nesta sociedade e ficarmos enclausurados, nos escondendo e/ou negando nossas convicções religiosas, crianças, adolescentes e jovens praticantes de religiões dos orixás, ínkices e voduns estarão sofrendo todas as formas de preconceitos religiosos.   

Se no passado homens e mulheres lutaram por fazer valer o direito de praticar o culto de origem africana em nosso país, hoje cumpre a nós continuarmos a luta por um país que nos respeite como praticante de culto ancestral tão antigo quanto a história da humanidade.

            O segundo artigo deste mês, intitulado, Principais influências Religiosas Africanas nas Tradições Brasileiras, refere-se a um fragmento da obra A alma africana no Brasil – os Iorubás da pesquisadora Ronilda Iyakemi Ribeiro. Neste fragmento, ela discute sobre algumas diferenças entre o Candomblé de Nação e a Umbanda. Texto de uma profundamente enorme para pessoas que pretende aderir  uma religião afro. A autora lida com a questão com clareza e objetividade e com linguagem simples e de fácil acesso, faz com que o leitor compreenda as fronteiras entre essas duas distintas religiões. 

            A lenda que apresentamos neste mês intitulada Iemanjá é nomeada protetora das cabeças, destaca o fator que fez da Orisá Iemonjá transformar-se em senhora e protetora de todos os ori (cabeças).

Destacamos o calendário de atividades do mês de junho na Egbé Òní Omorisá Sangó:

Dia 03  (Sábado) das 15 às 17 horas – Atendimento Publico ;

Dia 07 (Quarta Feira) – 20 horas - Amal;

Dia 10 (Sábado) das 15 às 17 horas – Projeto Discutindo Candomblé Ketú;

Dia 17 (Sábado) das 15 às 17 horas - Projeto Discutindo Candomblé Ketu;

Dia 25 (Domingo) Café da Manhã, Reunião Mensal e Almoço de Confraternização na Egbé.

Esperamos que os escritos desse mês possam contribuir com o crescimento de todos(as) que acessarem e lerem os artigos. Boa leitura e excelente mês a todos(as)!

Parte da Família: Fagner, Ester, Babá Bosco, Ya Suzi, Well, Ya Angela, Humbona.

Intolerância Religiosa afeta autoestima de alunos (as) e dificulta aprendizagem, aponta pesquisa





Brasília – Fernando* estava na aula de artes e tinha acabado de terminar uma maquete sobre as pirâmides do Egito. Conversava com os amigos quando foi expulso da sala aos gritos de "demônio" e "filho do capeta". Não tinha desrespeitado a professora nem deixado de fazer alguma tarefa. Seu pecado foi usar colares de contas por debaixo do uniforme, símbolos da sua religião, o candomblé. O fato de o menino, com então 13 anos, manifestar-se abertamente sobre sua crença provocou a ira de uma professora de português que era evangélica. Depois do episódio, ela proibiu Fernando de assistir às suas aulas e orientou outros alunos para que não falassem mais com o colega. O menino, aos poucos, perdeu a vontade de ir à escola. Naquele ano, ele reprovou e teve que mudar de colégio.
Quem conta a história é a mãe de Fernando, Andrea Ramito, que trabalha como caixa em uma loja. Segundo ela, o episódio modificou a personalidade do filho e deixou marcas também na trajetória escolar. "A autoestima ficou muito baixa, ele fez tratamento com psicólogo e queria se matar. Foi lastimável ver um filho sendo agredido verbalmente, fisicamente, sem você poder fazer nada. Mas o maior prejudicado foi ele que ficou muito revoltado e é assim até hoje", diz.
Antes de levar o caso à Justiça, Andréa tentou resolver a situação ainda na escola, mas, segundo ela, a direção foi omissa em relação ao comportamento da professora. A mãe, então, decidiu procurar uma delegacia para registrar um boletim de ocorrência contra a docente. O caso aguarda julgamento no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Se for condenada, o mais provável é que a professora tenha a pena revertida em prestação de serviços à comunidade.
Já a Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (Faetec), responsável pela unidade, abriu uma sindicância administrativa para avaliar o ocorrido, mas a investigação ainda não foi concluída. Por essa razão, a professora – que é servidora pública – ainda faz parte do quadro da instituição, "respeitando o amplo direito de defesa das partes envolvidas e o Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado do Rio de Janeiro", segundo nota enviada pelo órgão. A assessoria não informou, entretanto, se ela está trabalhando em sala de aula.
A história do estudante Fernando, atualmente com 16 anos, não é um fato isolado. A pesquisadora Denise Carrera conheceu casos parecidos de intolerância religiosa em escolas de pelo menos três estados – Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. A investigação será incluída em um relatório sobre educação e racismo no Brasil, ainda em fase de finalização.
"O que a gente observou é que a intolerância religiosa no Brasil se manifesta principalmente contra as pessoas vinculadas às religiões de matriz africana. Dessa forma, a gente entende que o problema está muito ligado ao desafio do enfrentamento do racismo, já que essas religiões historicamente foram demonizadas", explica Denise, ligada à Plataforma de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil), que reúne movimentos e organizações da sociedade civil.
Denise e sua equipe visitaram escolas de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Ouviram de famílias, professores e entidades religiosas casos que vão desde humilhação até violência física contra alunos de determinadas religiões. E, muitas vezes, o agressor era um educador ou membro da equipe escolar.
"A gente observa um crescimento do número de professores ligados a determinadas denominações neopentecostais que compreendem que o seu fazer profissional deve ser um desdobramento do seu vínculo religioso. Ou seja, ele pensa o fazer profissional como parte da doutrinação, nessa perspectiva do proselitismo", aponta a pesquisadora.
Alunos que são discriminados dentro da escola, por motivos religiosos, culturais ou sociais, têm o processo de aprendizagem comprometido. "Afeta a construção da autoestima positiva no ambiente escolar e isso mina o processo de aprendizagem porque ele se alimenta da afetividade, da capacidade de se reconhecer como alguém respeitado em um grupo. E, na medida em que você recebe tantos sinais de que sua crença religiosa é negativa e só faz o mal, essa autoafirmação fica muito difícil", acredita Denise.
Para ela, a religião está presente na escola não só na disciplina de ensino religioso. "Há aqueles colégios que rezam o Pai-Nosso na entrada, que param para fazer determinados rituais, cantar músicas religiosas. Criticamos isso no nosso relatório porque entendemos que a escola deve se constituir como um espaço laico que respeite a liberdade religiosa, mas não que propague um determinado credo ou constranja aqueles que não têm vínculo religioso algum", diz.
*o nome foi alterado em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).