Boas Vindas!!

MOJUBÁ !
Temos o intuito de incentivar e discultir textos sobre as religiões de matriz africana entre outras questões que envolve essa temática, também ter um espaço para divulgação da atividades da Egbé que alcança o Ilê Axé Sangó e o Centro Cultural Ébano Brasil.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

E O ANO NOVO CHEGOU

E o Ano Novo Chegou!

Babaloorisá João Bosco Ty Sango

Egbé Oní Omórisa Sango-Associação Cultural Ébano Brasil



Todos os finais de ano e início de outro sempre fazemos promessas de que tudo vai ser diferente do que o ano anterior. Cremos que mudanças podem acontecer, porém não precisamos esperar o final de cada ano para buscar mudanças e revisão de nossas vidas. Entendemos que essas transformações devam ocorrer a cada dia do ano, sem, contudo ficarmos alardeando tais fatos.

Se cremos que Orisá está em nossa vida em todos os dias do ano, em todas as horas de nossas existências, porque então esperarmos o limiar do ano novo para fazermos nossas reflexões e revisão de vida? É exatamente nesse cotidiano que deveremos refletir acerca de nossas atitudes e ações neste mundo. Mudanças devem ocorrer a cada novo amanhecer e reflexão a cada entardecer todos os dias do ano. Só assim conseguiremos apreender tanto das agruras quanto das vitórias o caminhar de cada um de nós aqui no Ayê.

Temos muito a rememorar e celebrar a cada janeiro, entre outras datas, comecemos pelo primeiro dia do mês Dia Mundial da Paz e Independência do Haiti (1804).

Recordemos que paz é uma construção diária. E é impossível querermos buscar a paz sem, contudo, estarmos em paz conosco mesmo, por isso gostaríamos de conclamar a todos/as para que primeiro estejamos em paz conosco mesmo para depois estender essa harmonia e equilíbrio àqueles/as que esta junto conosco. Lembrando que nem sempre quem está conosco seja isento de defeitos, porém é necessário que esquadrinhemos os seres humanos e acima de tudo notemos que somos humanos e como tal possuímos defeitos e qualidades. Portanto, vejamos mais as qualidades do que os defeitos de cada um/a. Percebamo-nos como humanos em processo de construção, pois cremos que não estamos prontos e acabados, construímos com erros e acertos diários.

Como referência à Independência do Haiti, 1º de janeiro (1804) o que podemos afirmar é que foi um período de conflito brutal na colônia de Saint-Domingue (América Central), levando à eliminação da escravidão e à independência, como a primeira república governada por pessoas de ascendência africana. Apesar de centenas de rebeliões ocorridas no Novo Mundo durante os séculos de escravidão, apenas a revolta de Saint-Domingue, que começou em 1791, obteve sucesso em alcançar a independência permanente, sob uma nova nação. A Revolução Haitiana é considerada como um momento decisivo na história dos africanos no novo mundo. (WWW.wikipedia.org/).

Este fato deixa evidente que nós afrodescendentes no Novo Mundo não esperamos as benesses da elite política para fazer acontecer a tão sonhada libertação. Que exemplo esse fato pode trazer para a atualidade? Sem dúvida, é o poder de articulação de um povo que com garra e perspicácia ousaram a buscar a autonomia e a liberdade.

Merece destaque o dia 09 de janeiro (2003), dia em que o Presidente Luis Inácio Lula da Silva, promulgou a Lei Federal 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Base da Educação brasileira, da qual impõe que todas as escolas de ensino fundamental e médio deste país incluam em seus currículos o ensino de História e Cultura e Africana e Afrobrasileira. Não podemos negar que isso é um grande avanço. Porém só a lei pela lei de nada adianta, é necessário que todos/as nós lutemos para realmente aconteça no cotidiano escolar a prática da referida lei. Especialmente no que se refere às questões de Cultura e Religião de Matriz Africana, e suas influências na formação desta nação.

Já o dia 25 deste mês é o dia que marca o início da Revolta dos Malês (1835) em Salvador (BA) entre os dias 25 e 27 de janeiro de 1835. Os principais personagens desta revolta foram os negros islâmicos que exerciam atividades livres, conhecidos como negros de ganho (alfaiates, pequenos comerciantes, artesãos e carpinteiros). Apesar de livres, sofriam muita discriminação por serem negros e seguidores do islamismo. Em função destas condições, encontravam muitas dificuldades para ascender socialmente.

Os revoltosos, cerca de 1500, estavam muito insatisfeitos com a escravidão africana, a imposição do catolicismo e com o preconceito contra os negros. Portanto, tinham como objetivo principal à libertação dos escravos. Queriam também acabar com o catolicismo (religião imposta aos africanos desde o momento em que chegavam ao Brasil), o confisco dos bens dos brancos e mulatos e a implantação de uma república islâmica em Salvador. (www.suapesquisa.com).

Independente do resultado desta revolta é preciso que percebamos essa luta de negros islamizados à busca de reconhecimento social e cultural em um momento que a Igreja Católica de tudo fazia para impor suas normas, regras e doutrinas.

Óbvio de que existem outros fatos relevantes que marcam o mês de janeiro, porém procuramos dar destaque a esses por serem realizados por representações afro. Este blog deseja contribuir com o processo de implementação da Lei Federal 10.639/03, postando a cada mês artigos sobre a dinâmica das religiões de matriz africana no Brasil e outras temáticas de cunho informador e formador. Temos a convicção que isso não é muito, porém cada qual deve fazer sua parte e a Egbé Oní Omórisa Sangò e a Associação Cultural Ébano Brasil através deste blog está tentando fazer isso.

Para esse mês trazemos artigo da pesquisadora e religiosa de matriz africana, Professora Mestre e Yarobá d’Osùn Ângela Maria dos Santos, intitulado Religiões Afro-Brasileira, no qual analisa com conhecimento de causa a religiosidade afrobrasileira no contexto nacional destacando o nascedouro do culto de Umbanda no Brasil. Trazemos ainda uma lenda, retirada da obra de Adilson Martins. Nesta lenda o autor destaca como nasceu o Jogo de Búzios e sua importância para a religião dos Orisás.

Queremos desejar a todos/as os/as leitores desse blog um bom ano novo, que Orisá esteja em nossas existências a cada minuto de nossas vidas. Desejamos boa leitura e que estes escritos sirvam para nossa reflexão e ação na busca de uma sociedade que respeite as diferenças e os diferentes.

FELIZ 2010 a todos/as.





















RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS



Ângela Maria dos Santos, mestre em Educação pela UFMT,Yarobá da Egbé Oní Omórisá Odé – Campo Grande/MS



Você sabia que há diferença entre religiosidade e religião? A religiosidade é uma maneira de se relacionar com o mundo invisível (os deuses, os espíritos, os antepassados). Já a religião é uma instituição social, quase sempre com livro sagrado, dogmas, e hierarquia entre os sacerdotes e entre estes e aqueles que creem.

Assim, só se pode ter uma religião de cada vez, por isso, toda religião é exclusiva. Já religiosidade, podemos ter, ao mesmo tempo, várias. Esta, ao contrário daquela, é inclusiva. Então é possível ao crente tanto cultuar os orixás sem ter de renunciar a outras crenças.

Segundos Santos (2009) qualquer religião que o negro pratique tem como marca fundamental a falta de pretensão à religião única, aquela a que sirva a todos os homens, em todos os lugares. Cercada de muitos preconceitos por falta de conhecimento e, particularmente, em decorrência do etnocentrismo, as religiões afro-brasileira sofreram grandes perseguições e, ainda hoje, continuam sendo alvo de desrespeito por parte de algumas igrejas cristãs. Fato é que as históricas perseguições ao candomblé ocorreram pelo medo de que estas religiões propiciassem uma forte organização da população negra contra as situações de opressões e desigualdades vivenciadas por eles. As religiões de matrizes africanas no Brasil fazem, inegavelmente, parte do nosso panteão cultural, constituindo- se de um dos elos mais fortes com a África. Em todas as partes do Brasil, é frequente encontrar pessoas de todas as raças irmanadas pelo culto aos Orixás.

Um aspecto importante a ser ressaltado é o significado da matriz africana no que se refere à ideia da dimensão de ser humano na dinâmica da relação com o sagrado que permaneceu na recriação religiosa pelos negros no Brasil. Roger Bastide (2001) registrou muito bem o que é essa dimensão do humano e do sagrado na visão africana. Para o autor, as civilizações africanas são civilizações simbólicas, nas quais os mortos e os vivos constituem uma mesma comunidade e a morte não é considerada senão uma passagem para um estágio Superior; assim, o ancestral poderá voltar ao mundo dos vivos, reencarnando-se no seu bisneto. Através dos sonhos, das confrarias de máscaras, dos relicários, a comunicação nunca é interrompida entre os dois mundos. Que continuam – embora por meios diferentes a dialogar incessantemente, a ajudar-se mutuamente, a controlar-se para o bem comum de uns com os outros (p. 09).
É no Candomblé que essa matriz terá maior preservação, aproximando as práticas religiosas africanas e sua filosofia. O termo candomblé é uma denominação utilizada para nomear as religiões afro-brasileiras com fortes influências dos grupos linguísticos

yorubá e bantu. Essa reinvenção deu-se na Bahia a partir dos nagôs e jejes. Pois na África cada região e/ou etnia cultuava um orixá específico, com nomes diferentes. Aqui, deu-se a junção dessas divindades. Contudo, ocorreu uma distinção organizativa conforme a predominância da influência dos grupos étnicos na realização dos ritos. Com essa distinção, caracterizaram-se uma divisão mais especificamente em Candomblés de nações: Keto (com influência maior dos grupos linguísticos yorubá), Angola (de influência dos grupos lingüísticos bantus) e Jeje (predominância do grupo étnico da região de Daomé).

Vejam que essa distinção tinha uma intencionalidade, a de construir uma identidade para os cultos, de forma que na organização do Candomblé existe uma distinção entres os ritos, conforme a origem étnica dos negros africanos (yorubás, bantos e jejes), ocorrendo diferenças nas denominações das divindades, representações de cores, vestes litúrgicas, alimentos, cânticos e danças, caracterizando, assim, um zelo na recriação da religião nos terreiros de Candomblés brasileiros com a identidade étnica, como na África (SILVA, 2005).

De maneira geral, a religião tem por base o culto às divindades de origem africana denominadas de Orixás (para os nagôs), Inkices (para os bantos) e Voduns (para os jejes). Toda essa forma organizacional de culto denomina-se Candomblé.

Os Orixás são divindades relacionadas à criação do mundo que, conforme a mitologia africana possuem características e domínios da natureza diferenciados, preferências alimentares, o que resulta a formas de louvação e de cores que os representam na religião, também com especificidades. Essa característica de culto é denominada de Candomblé.

Segundo a mitologia iorubana, a criação do mundo foi realizada por Olorum, o deus supremo, criador de todas as coisas, seres vivos e dos Orixás, ficando a cargo destes os domínios da natureza no mundo. Assim, cada orixá é responsável por um elemento da natureza.

É importante enfatizar que as tradições religiosas africanas se misturaram entre si e sofreram influências externas. Por isso, dizemos que a religião foi recriada aqui no Brasil. Antes dessa forma de organização religiosa dos negros, conhecida até hoje, as manifestações religiosas resumiam-se aos chamados Calundus, uma atividade religiosa, possivelmente de influência banto, que realizavam rituais de limpeza espiritual e de cura; nesse espaço desenvolviam experiências religiosas oriundas de práticas africanas e seus conhecimentos farmacológicos.

Conforme Silva (2005), até o século XVIII os calundus era o culto africano mais ou menos organizado que antecederam os terreiros de Candomblé no século XIX. Também, afirma ele, que o uso do mesmo espaço para a moradia dos negros e para os cultos dos seus deuses foi uma característica dos primeiros templos das religiões afro-brasileiras e que possibilitou a existência dos calundus sob a adversidade do regime de escravidão. Característica que a maioria dos templos preserva até hoje (p. 45). Registrar nas culturas religiosas africanas é que, diferentemente das religiões cristãs, não existe a figura do diabo.

Alguns desavisados acusam o Candomblé de fazer culto ao diabo, sendo isso uma inverdade, de enorme inconsistência. Na história das religiões afro-brasileiras identifica-se a experiência religiosa africana de se relacionar com o sagrado que se espalhou com variadas denominações por toda a região do Brasil.

O CULTO DE UMBANDA NO BRASIL

Tida como uma religião genuinamente brasileira, a Umbanda traduz muito bem o sincretismo da religião brasileira. Sua origem dá-se nas décadas de 1920 e 1930. Nessa religião são cultuadas entidades africanas, os espíritos ameríndios, santos católicos e outros. Segundo Silva (2005, p. 111), “a princípio caboclos e pretos velhos, representando os espíritos dos índios brasileiros e dos escravos africanos, tornaram-se centrais na nova religião que se formava, proclamando sua missão de irmanar todas as raças e classes sociais que formavam o povo brasileiro”. Prandi (2003) observa que “as religiões afro-brasileiras se construíram sincréticas, estabelecendo paralelismos entre divindades africanas e santos católicos, adotando o calendário de festas do catolicismo, valorizando a frequência aos ritos e sacramentos da igreja” (p. 15-16). Para ele, a formação das primeiras religiões afro-brasileira de forma sistematizada deu-se no século XIX, período em que o catolicismo dominava as atividades religiosas e tinha forte relação com o Estado. Pois, para se viver no Brasil, mesmo sendo escravo, e principalmente depois, sendo negro livre, era indispensável, antes de tudo, ser católico. Por isso, os negros que recriaram no Brasil as religiões africanas dos orixás, voduns e inquices se diziam católicos e se comportavam como tais. Além dos rituais de seus ancestrais, frequentavam também os ritos católicos. Continuaram sendo e se dizendo católicos, mesmo com o advento da República, quando o catolicismo perdeu a condição de religião oficial (p. 15). Assim, as formas sincréticas foram construídas nas religiões afro-brasileiras.

A mais sincrética de todas é a Umbanda, surgida no Rio de Janeiro em início do século XX, possivelmente seja uma reminiscência da antiga cabula, de forte influência banta. Enfim, a Umbanda utilizando da mestiçagem religiosa, misturando as práticas católicas como uso de imagens e culto aos santos, correspondendo-os com os orixás nagôs, incluindo a pajelança indígena, o uso de práticas espíritas/espiritismo (embora se tenha conhecimentos que os bantos tinham crença que os espíritos dos mortos poderiam ser contatados através de práticas mediúnicas).

A Umbanda se estruturou e se espalhou para todas as regiões do país, trazendo em seu culto através da possessão, espíritos de caboclos, pretos velhos, boiadeiros, marinheiros, baianos, pomba-giras, exus espírito (difere do Exu orixá que se trata de uma divindade) e outros. A considerável aceitação da Umbanda muito possivelmente se dê por ela reunir elementos cristãos como rezas de terços, imagens de santos e participação dos ritos religiosos das religiões católicas. Por isso, muitos críticos a percebem como grande expressão da política de branqueamento ocorrido no Brasil, tanto pelo formato e doutrina da religião, considerando que seu nascimento ocorreu num momento histórico em que fervilhava a política de branqueamento na sociedade brasileira.

A religião afro-brasileira está presente em diversas regiões do Brasil, com variedades de nomes, conforme as influências africanas ou formas sincréticas adquiridas na mestiçagem cultural. Inicialmente, a religião de influência africana era frequentada por maioria de negros. Contudo, sabe-se que nos momentos de grandes atribulações os senhores escravistas recorriam às crenças e práticas religiosas de origem africanas para resolverem seus problemas. Porém, é na atualidade que o número de não-negros que assumem e se identificam com o culto afro-brasileiro torna-se bastante significativo.







LENDA DO MÊS:

O JOGO DE BÚZIOS

Todo mundo sabe que Osùn foi a primeira esposa de Orunmilá e que também foi a primeira Iyalorisá, sacerdotisa do culto de Orisás.

Naquele tempo, Osùn já havia feito o seu primeiro Iyaô, homem de qualidades excepcionais e que deveria substituí-la na direção do culto, já que chegava o tempo em que todos os Orisás, por ordem de Olòdumare, deveriam retornar ao Orun, deixando a Terra sob a responsabilidade dos seres humanos.

Orunmilá, marido de Osùn, era como ainda é o dono e senhor do oráculo de Ifá. Havia criado um culto no qual uma casta sacerdotal, composta exclusivamente de homens, retinha os métodos de adivinhação então existente, que era o jogo de opelê e o jogo de ikins. Somente estes sacerdotes sabiam como adivinhar, somente eles conheciam os segredos das figuras oraculares, os Odu-Ifá.

Por mais que Osùn implorasse, seu esposo negava-se a ensinar-lhe o segredo do oráculo e, consciente de que não conseguiria mudar sua opinião, a Iyabá resolveu apelar para a astúcia, coisa que jamais lhe faltou.

Certo dia, por motivo qualquer, Orunmilá precisou empreender uma viagem para um local muito distante e seu retorno só ocorreria dentro de três meses. Esta era a oportunidade de que Osùn precisava para pôr em prática seu plano de apoderar-se dos segredos da adivinhação, mas restava ainda um grande obstáculo.

Toda vez em que Orunmilá viajava, deixava seus escritos, assim como seus instrumentos divinatórios, sob a guarda de Esù, em quem confiava cegamente.

- Salve Esù! – disse Osùn entrando na casa do Orisá.

- Ore Yeyê Oh! – respondeu Esù, reverenciando a poderosa senhora. – A que devo a honra de tão gratificante visita?

- Venho pedir-te um favor, Esù – disse Osùn, enquanto se acomodava sobre umas das esteiras estendidas no chão de terra batida. – Como bem sabes, dentro de pouco tempo todos os Orisás, por ordem de nosso pai, deverão retornar ao Orun, menos tu, que tens permissão para ficar onde bem entenderes.

-Sim, minha senhora, sei perfeitamente do que esta falando. Gostaria que me explicasse de que forma poderei ser útil – disse Esù, como se adivinhando alguma coisa.

- Pois é! Sabes também que, por ordem de Obatalá, criei um culto para todos os Orisás e, como não poderia deixar de ser, preparei um sacerdote humano para que, na minha ausência, o culto possa ter continuidade? - Perguntou Osùn.

- Sim, sei disto tudo – respondeu Elegbàra.

- Acontece, Esù, que a comunicação entre nós Orisás e os homens [e mulheres] ficará interrompida depois de nossa volta ao Orun. Assim sendo, como eles/as saberem nossos desejos e receber nossas orientações? – voltou a pergunta a Orisá, cheia de charme.

- Não creio que isto venha a representar problema – disse Esù. – Foi parta isto que Orunmilá preparou os seguidores de seu próprio culto, que, através da interpretação dos Odu-Ifá, estão aptos a transmitir a todos os seres humanos nossos desejos e determinações.

- Pois é ai que reside o problema! – afirmou Osùn, baixando a voz em tom de confidência. – O que meu marido pretende é centralizar o poder na mão dos seus seguidores. Da forma como ele organizou tudo, Esù, os cultuadores dos Orisás viverão sob a dependência dos sacerdotes de Orunmilá. Já pensou como o processo de manipulação por parte destes se acentuará através dos tempos?

- Bem... – ponderou Esù -.... se não houver honestidade e desprendimento...

- Que honestidade? – interrompeu Osùn. – Que desprendimento? Como podes esperar isto dos seres humanos imbuídos de poderes? Ainda mais dos sacerdotes do meu marido, os babalaôs, que são naturalmente cheios de orgulho e vaidade!

- Espere um pouco! –retrucou Esù. – Existem exceções!

-Claro que existem exceções. Mas são raras! Raríssimas! – falou Osùn inflamada.

-Muito bem. Só não sei aonde queres chegar – disse Esù. – Afinal de contas o que tenho eu a ver com isto?

- O que tens a ver? – perguntou Osún. – Tens tudo a ver! – respondeu ela mesma. – Preciso que me passes os segredos do jogo de Ifá. De posse deles, poderei transmiti-los ao meu sacerdote, que, por sua vez, os ensinará aos seus discípulos. Esta é a única maneira de evitar que o culto dos Orisás fique dependendo, eternamente, do culto de Orunmilá.

- E o que ganharei com isto? – perguntou Esù aguçado pela cobiça. – Bem sabes o quanto Orunmilá confia em mim. O fato de entregar-te os seus fundamentos irá custar-me não só a sua amizade, como, com certeza, uma bela punição.

- Peça o que quiseres! Dá teu preço que estou pronta a pagá-lo! – exclamou Osùn, certa de já haver obtido o que pretendia.

Se for assim, esta bem vá para casa que dentro de 70 dias lá estarei com o sistema divinatório e meu preço! – finalizou Esù.

Os dias nunca foram tão longos para Osùn, mas finalmente, no fim da tarde do dia marcado, chegou Esù, portando uma cabaça de tamanho médio enrolada em panos brancos.

-E então, Esù? Trouxestes a encomenda? Perguntou Osùn, sem disfarçar a ansiedade que a consumia.

-Sim! Respondeu Esù. – O que queres esta aqui nesta cabaça!

-Então anda, entrega-me! –suplicou a Iyabá.

- Calma Osùn! Primeiro vamos falar no pagamento! – falou Esù.

Neste momento Osùn abriu uma grande arca que ficava ao lado de seu trono e, levantando a tampa, mostrou a Esù um grande tesouro composto de muito ouro, pérolas e pedras preciosas de todos os tipos.

- Vai! – comandou a senhora. –Sirva-te à vontade!

- Calma, Senhora do Ouro! Não é este o meu preço! – disse Esù.

Não? – espantou-se Osùn. – E qual é teu preço, afinal?

- Todos os ebós que forem determinados pelo Oráculo que te estou entregando, do qual serei o mensageiro e o interlocutor! – sentenciou Esù. Estou te passando um novo sistema de adivinhação, diferente daqueles utilizados por Orunmilá. Desta forma ele não poderá acusar-me de roubo. Tu e teus seguidores adivinharão por intermédio do jogo de búzios, interpretando apenas os 16 Odus Meji. E serei eu, e somente eu, quem poderá falar neste jogo. Aceitas minhas condições?

Certa de que não haveria tempo para mais nada, Osùn resolveu aceitar, embora se sentisse lograda.

Desta forma, foi inventado o jogo de búzios, que pode ser acessado pelos seguidores do culto dos Orisás, ao passo que o opelê e o ikin são jogos de uso exclusivo dos sacerdotes de Orunmilá.

Osùn recebeu o jogo das mãos de Esù, ensinou-o ao seu discípulo, que o ensinou a todos os sacerdotes e sacerdotisas de Orisás que vieram depois dele.

É por isto que é Esù quem fala no jogo de búzios e todos os ebós são a ele destinados. Até mesmo quando algum sacrifício é exigido para os Orisá ou para os Eguns, uma pequena parte deve ser oferecida a Esù, que, como transportador de ebó, fará com que ele não atinja seu objetivo, se não for também agradado.

E foi assim que os sacerdotes [e sacerdotisas] do culto de Orisás obtiveram, através de Osùn e de Esù, o direito de adivinhar pelo mirindilogun. (In: MARTINS, Adilson. Lendas de Exu, Pallas, 2ª Edição. Rio de Janeiro-RJ, 2008. p.155 a 159)