Boas Vindas!!

MOJUBÁ !
Temos o intuito de incentivar e discultir textos sobre as religiões de matriz africana entre outras questões que envolve essa temática, também ter um espaço para divulgação da atividades da Egbé que alcança o Ilê Axé Sangó e o Centro Cultural Ébano Brasil.

domingo, 1 de maio de 2011

AS INOVAÇÕES EO CULTO AOS ORISÁS


Babálòórisá João Bosco D’Sangó

    No mundo em processo de intensa globalização, a arte de pensar e expressar idéias tornou-se um dos maiores dilemas deste inicio de século. Há uma enorme confusão no trato ao tema e no que seja realmente globalização.
    A nosso ver globalizar não significa homogeneizar idéias e ideais, ao contrário, nesse processo o que deve existir e valorizar é acima de tudo o respeito às diversidades em mais amplo sentido. Decorre desse pormenor que nem sempre expressar opinião diferente seja ato de desrespeito, ao/a outro/a. Cremos que são dos embates de idéias que o NOVO acontece, pois seria profundamente estranho que todos/as pensasse e agisse da mesma forma. Tal máxima também serva para nós praticantes de religiões de matriz africana, especialmente o Candomblé.
    Não estamos com essa atitude sugerindo a demolição de tudo que já foi edificado por nossos/as antepassados/as que com garra, força e asé, além de burlarem normas a eles/as impostas, lutaram para (re) criar o culto aos Orisás em terras brasileira. Pois, sem esse/as bravos/as lutadores/as talvez não existisse o Candomblé como conhecemos. Porém, como todas as outras religiões o culto aos Orisás é deve ter um processo dinâmico e acompanhar os novos tempos, sem, contudo perder sua essência principal, a saber, o louvor aos Ancestrais Divinizados.
  Refutamos as idéias de que inovação signifique invencionices esdrúxulas que nada tem a ver com as religiões de matriz africana, que no afã de estar inovando acabam por introduzir no culto atos que desrespeitam os Seres Transcendentes, que no Candomblé de Nação Ketu, chamamos de Orisá.
    As inovações devem existir, entretanto sem modificar fundamentos básicos da Religião e Culto aos Orisás.
     Maio é um mês profundamente frutífero para discussões correlacionadas as questões afros em geral quanto no que se refere a pontos específicos das religiões de matriz africana e afrobrasileira. Entre as várias personalidades negras nascidas no mês de maio três merecem destaque neste meio de comunicação.     
     A primeira é Milton Santos nascido no município baiano de Brotas de Macaúbas em 3 de maio de 1926, considerado o maior geógrafo brasileiro tanto por suas idéias e atitudes no que tange a questões urbanas, população e pobreza, quanto seus conceitos sobre  globalização. Lecionou em varias universidades da Europa e norte americana, durante o período em que esteve exilado em detrimento das perseguições políticas durante a ditadura militar no Brasil. Escreveu várias obras, entre as quais Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência universal, na qual o autor expressa suas idéias sobre o processo de globalização. Professor de voz calma e olhar tranqüilo sublinhou o aspecto humano da geografia e  criticou  a globalização  perversa.  Via na população pobre o ator social capaz de promover outra globalização, que defendeu. Entre outras frases que o popularizou esta merece estaque: “Ser negro no Brasil é, com freqüência, ser objeto de um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar predeterminado, lá em baixo, para os negros.”
    A segunda personalidade é o escritor mulato pré-modernista Afonso Henriques de Lima Barreto nascido no Rio de Janeiro em 16 de maio de 1881. Lima Barreto, foi um mulato que viveu num Brasil que mal acabara de abolir oficialmente a escravatura, teve oportunidade de boa instrução escolar. Após a morte da mãe, passou a freqüentar a escola pública de D. Teresa Pimentel do Amaral. Em seguida, passou a cursar o Liceu Popular Niteroiense, após o seu padrinho, o visconde de Ouro Preto, concordar em custear sua educação. Lá ficará até 1894, completando o curso secundário e parte do supletivo. Em 1895, transferiu-se para a única instituição pública de ensino secundário da época, o conceituado Colégio Pedro II, cujos estudantes eram oriundos basicamente da elite econômica. No ano de 1895 foi admitido no curso da Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. Porém, foi obrigado a abandoná-lo em 1904 para assumir o sustento dos irmãos, devido à loucura que afligiu o seu pai. Tendo sido repetidamente reprovado por não se interessar muito pelas matérias - passava as tardes na Biblioteca Nacional -, deixou de graduar-se em Mecânica. Data dessa época a sua entrada no Ministério da Guerra como amanuense, por concurso. O cargo, somado às muitas colaborações em diversos órgãos da imprensa escrita, garantia-lhe algum sustento financeiro. Não obstante, o escritor, que só veio a ser reconhecido fundamental para a literatura brasileira após seu precoce falecimento, cada vez mais deixava-se consumir pelo alcoolismo e por estados emocionais caracterizados por crises de profunda depressão e morbidez. Sua vida foi atribulada pelo alcoolismo e por internações psiquiátricas, ocorridas durante suas crises severas de depressão - à época era um dos sintomas pertencentes ao diagnóstico de "neurastenia", constante de sua ficha médica - vindo a falecer aos 41 anos de idade. Entre suas cita-se: 1905 - O Subterrâneo do Castelo no Morro; 1909 - Recordações do Escrivão Isaías Caminha; 1911 - O Homem que Sabia Javanês; 1915 - Triste Fim de Policarpo Quaresma; 1919 - Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá; 1920 - Cemitério dos Vivos; 1920 - Histórias e Sonhos; 1923 - Os Bruzundangas; 1948 - Clara dos Anjos (póstumo); 1952 - Outras Histórias e Contos Argelinos; 1953 - Coisas do Reino de Jambom (www. wikipedia. com.org).
        A terceira personalidade que destacamos, nascida no neste mês é o ativista negro norte americano Malcolm X. Nascido no dia 19 de maio de 1925, com o nome de Malcolm Little passou para a história como um dos grandes líderes dos negros norte-americanos com o nome de Malcolm X. Sua infância e adolescência foram marcadas pela violência característica dos guetos pobres norte-americanos. Quando tinha apenas seis anos e brincava pelas ruas de Omaha, o seu pai, Earl Little, foi assassinado.
   Após sofrer brutal espancamento, Earl teve o seu corpo atirado em uma linha de trem. A mãe de Malcolm, por sua vez, estava em tratamento num hospital psiquiátrico, de modo que ele e seus sete irmãos foram parar em orfanatos. Pouco tempo mais tarde, com uma irmã mais velha, foi morar em Boston. Depois, mudou-se para o Harlem, bairro de maioria negra em Nova York .
   Na adolescência, Malcolm trabalhou como engraxate. Escapou do serviço militar fingindo-se de "louco". Na mesma época, começou a praticar pequenos furtos no Harlem e envolveu-se com o tráfico de maconha. Com mais três amigos, todos muito pobres, passou a assaltar residências, até que acabou sendo preso, em 1946.
   Na prisão ocorreu a grande transformação na vida de Malcolm X. Passou a estudar o islamismo, convertendo-se aos ensinamentos de Elijah Muhammed, líder da "Nação do Islã", organização que congregava os negros muçulmanos dos Estados Unidos. Ao sair da cadeia, em 1952, Malcolm X transformou-se em um dos mais carismáticos líderes negros de seu país.
    Enquanto Martin Luther King apostava na resistência pacífica como arma para enfrentar o racismo e a segregação, Malcolm X defendia a separação das raças, a independência econômica e a criação de um Estado autônomo para os negros. Ao lado de Elijah Muhammed, viajou pelos principais Estados norte-americanos para pregar as suas idéias e defender a libertação dos negros.
    O projeto não foi à frente, mas deu ainda mais fama ao ativista. Em 1964, já casado, fundou a organização "Muslim Mosque Inc." e, mais tarde, a "Afro-American Unity". Um ano antes, após uma viagem para Meca, cidade sagrada dos muçulmanos, mudou o seu nome para Al Hajj Malik Al-Habazz. A partir daí, passou a defender uma posição conciliatória em relação aos brancos, fato que o deixou isolado, sobretudo quanto ao islamismo afro-americano.
    No dia 21 de fevereiro de 1965, quando discursava no Harlem, Malcolm X foi assassinado com 13 tiros, ao lado de sua mulher Betty, que estava grávida, e de suas quatro filhas. A polícia não encontrou provas, mas suspeitou da participação da "Nação do Islã" no crime.
    As idéias de Malcolm X foram muito divulgadas principalmente nos anos 70, por movimentos negros como o "Black Power" e "Panteras Negras". A vida do ativista norte-americano também se transformou em documentários e filmes, sendo "Malcolm X", dirigido por Spike Lee, em 1992, o mais famoso. (www. educacao.uol.com.br)
    Em se tratando de datas significativas para a comunidade afrodescendente o dia 13 de maio é destacável, pois é marcada como o dia da assinatura da Lei Áurea (1888), lei esta tida como incompleta na atualidade, visto que não deu conta da inserção do povo negro e afrobrasileiro na sociedade brasileira, tal data transformou-se no Dia Nacional de Denuncia Contra o Racismo, e no Culto de Umbanda como o Dia dos Pretos/as Velhos/as, ancestrais afrobrasileiros patronos/as desse culto em todo Brasil. A data é propicia para aventar discussões tanto nos templos de cultos afro como nas escolas de educação básica acerca da questão racial em nosso país.
    Já o dia 25 deste mês é o Dia da Libertação da África, muito além de comemorações seria interessante aproveitar esta data para discutir a situação geral dos países africanos que tem relação econômico-cultural com Brasil, tanto no passado como no presente.
     Pessoa de uma importância primordial para a Egbé Oní Omorisá Sangó a Yarobá Cristina Suzana da Silva, que no culto aos Orisás é conhecida como Iya Suzi d’Osun nasceu no mês de maio, mais precisamente no dia 09, aproveitamos o ensejo para desejar-lhe harmonia, paz, alegria sucesso profissional e amoroso. Que Ya Osun lhe de vida longa com saúde e felicidade para continuar por muitos anos neste plano elevando o nome das religiões afro, especialmente o Candomblé de Nação Ketu. Felicidade e muito Asé é o que desejamos a ela.
    A partir deste mês este meio de comunicação apresentará capitulos da obra da pesquisadora e religiosa Ronilda Iyakemi Ribeiro - Alma Africana no Brasil: Os iorubas - com objetivo de compreendermos os nagô tanto em África quanto sua contribuição para a formação do candomblé no Brasil. Para este mês apresentamos o 5º capitulo da obra que intitula-se Contexto geográfico, origem, organização social e política no qual a autora  apresenta, além da localização geográfica, dados históricos sobre a origem dos iorubás, mitos cosmogônicos bem como  dados sobre sua organização social e política.
    A idéia de apresentar capítulos da obra desta autora é fazer com que compreendamos a presença da cultura yorubana em nosso país, como objetivo de nos compreendermos como praticantes do Candomblé de Nação Ketu, na atualidade a nação que mais cresce em nosso país.
    A lenda deste mês retirado do livro de Adilson Matins – Lendas de Exu, analisa os fatores que levam-nos a enterrar nossos falecidos.
    
    Enfatizamos o Calendário de Atividades do mês de maio da Egbé Oní Omó Orisá Sangó:
Dia – 04 – Quarta Feira (20 horas) Amalá;
Dia – 07 – Sábado (Das 15 às 17 horas) Atendimento Público;
Dia – 08 – Domingo – Almoço de Confraternização;
Dia – 14 – Sábado (Das 15 às 17 horas) Projeto Discutindo Candomblé: Roda de conversa e debate sobre a dinâmica do Candomblé Ketu no Brasil;
Dia – 21 - Sábado (Das 15 às 17 horas) - Projeto Discutindo Candomblé: Roda de conversa e debate sobre a dinâmica do Candomblé Ketu no Brasil;
Dia – 29 – Domingo – Reunião Mensal e Almoço de Confraternização.

CONTEXTO GEOGRAFICO, ORIGEM, ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLITICA DO POVO IORUBÁ


Contexto geográfico

    Os iorubás ocupam grande parte da Nigéria, no sudoeste do país e, em menores proporções, parte do Togo e da República do Benin (antiga Daomé). Sua influência estendeu-se também para além do baixo Níger, em direção ao norte, adentrando a Terra Nupe. Pertencem predominantemente aos estados do Ogun, Oyo, Ondo, Kwara e Lagos, na Nigéria, onde convivem com outros grupos étnicos: anang, batawa, edo, efik, fulani, hausa, idoma, igbira, ibibio, ibo, igala, igbo, igbomina, ijaw, ijo, itsekiri, kanuri, nupe e tiv, cada qual com sua própria língua, costumes e sistemas de administração tradicional. Destes, os mais numerosos são os hausa, iorubá e ibo. A conquista daomeana de parte das terras iorubás favoreceu a miscigenação entre os grupos iorubá e fon, tornando-se pouco nítida a linha divisória entre eles. Os iorubás associam-se em sub-grupos - Egba, Egbado, Oyo, Ijesa, Ijebu, Ife, Ondo, Ilorin, Ibadan etc.
 
Origem - Mitos Cosmogônicos
Olodumare, o Ser Supremo e um grande número de divindades entre as quais Orixalá, também chamado Obatalá ou Oxalá, Orunmila, também chamado Ifá e Exu habitavam o orun. Abaixo havia uma infinita extensão de água e desertos pantanosos sobre os quais reinava Olokun, o deus do mar. Olodumare ponderou: poderia essa grande e monótona extensão de água ser habitada por divindades e outros seres vivos? Traçou um plano para transformar parte da extensão aquosa em terra firme e deu a Orixalá, a arqui-divindade responsável pela ordenação das coisas, a incumbência de concretizar seu plano.
   Agindo segundo as instruções de Olodumare e carregando consigo o material necessário, Orixalá desceu sobre o deserto aquoso. Levava consigo uma concha de caracol cheia de areia, uma galinha branca e uma pomba. Chegando a um determinado ponto do imenso vácuo, jogou a areia e soltou as aves que começaram imediatamente a ciscar o chão com as patinhas, espalhando areia por toda parte. Onde esta caía transformava-se o pântano em terra seca e, por cair de forma irregular, ia formando montanhas e vales. Terminada estava, a primeira fase da criação.
    Então, Olodumare ordenou a seu inspetor de tarefas - o camaleão8 - que fiscalizasse o trabalho e, após duas visitas, ele retornou informando estar tudo perfeito. Orixalá foi incumbido de povoar a terra. Criou primeiro as aves que rapidamente multiplicaram-se e plantou árvores para suprir a necessidade de água. Oreluere liderou um grupo de seres especialmente criados para habitar a porção já sólida. Estes multiplicaram-se e a quantidade de água tornou-se insuficiente. Orixalá pediu mais água e Olodumare enviou a chuva.
     Incumbido, a seguir, de moldar os corpos dos homens com o pó da terra, Orixalá os moldava perfeitos ou defeituosos, desde que a forma resultante pudesse receber a essência da Vida, que aí seria insuflada por Olodumare. Certa vez Orixalá tentou vê-lo trabalhando pois queria descobrir como as formas humanas por ele moldadas transformavam-se em seres viventes. Mas, mergulhado em sono profundo, somente despertou quando todas já estavam animadas.
     No início havia harmonia, comunhão e confraternização entre os homens e o mundo espiritual. Por vezes os homens viajavam ao orun para pedir o que necessitavam. Entretanto, um fato separou o céu da terra e uma barreira interpôs-se entre ambos. Que fato foi esse?
     Segundo algumas tradições, uma mulher teria tocado o céu com a mão suja. Segundo outras, um homem teria se comportado mal, servindo-se em excesso do alimento comum. Tenha sido esta ou aquela, a razão da ruptura, o fato é que o homem perdeu a harmonia com o mundo espiritual.
Eis a cosmogonia iorubá apresentada por Idowu (1977:18).
       Outra variação muito divulgada do mito cosmogônico iorubá narra que Olodumare lançou do céu sobre as águas ou pântanos, uma corrente pela qual desceu Odudua, trazendo um pouco de terra num saco ou numa concha de caracol, uma galinha e um dendezeiro. Tendo derramado a terra sobre a água, aí colocou o dendezeiro e a ave. Ciscando o solo a galinha foi espalhando a terra, cada vez mais, ampliando progressivamente a extensão de terra.
       Outra variação ainda, narra que Obatalá, o primeiro orixá criado por Olodumare, recebeu a incumbência de formar o mundo. Saindo do orun embebedou-se, adormecendo profundamente. Odudua roubou o saco da criação e foi contar a Olodumare o que se passara, assumindo para si o papel de realizar aquela tarefa para a qual Obatalá havia se mostrado incompetente. Odudua criou o mundo e competiu a Obatalá modelar os corpos humanos.
     O camaleão, sagrado para os iorubás, é descrito como mensageiro de Olodumare ou de Orixalá. Possui a notável capacidade de confundir-se com o ambiente mudando de cor. O movimento independente de seus olhos possibilita-lhe olhar para mais de uma direção ao mesmo tempo
       Praticamente toda sociedade africana possui seu próprio mito de origem do homem e do universo. Mbiti refere-se ao livro publicado por H. Baumann em 1936 - Schopfung und Urzeit des Menschen im Mythus der afrikanischen Volker, onde se encontra uma tentativa de análise de dois mil desses mitos. Refere haver uma segunda edição, ampliada, de 1964.
      Detenhamo-nos um pouco na figura controversa de Odudua. Nesta narração que acabamos de apresentar, ela é uma figura feminina. Elbein dos Santos (1986) refere-se a Odudua como a representação deificada das Iya-mi, a representação coletiva das mães ancestrais e o princípio feminino de onde tudo se origina. Nessa versão, Odudua, símbolo coletivo do poder ancestral feminino, une-se a Obatalá, símbolo coletivo do poder ancestral masculino. Sendo ele responsável pelo orun - céu / dimensão do supra-sensível - e ela pelo aiye - terra / dimensão da matéria física, seu casamento implica em todas as relações entre esses dois domínios. Odudua cria o aiye e Obatalá os duplos no orun. Representa essa união uma cabaça branca - igba-odu ou igbadu - formada de duas metades unidas, a metade inferior representando o aiye e a superior, o orun, contendo elementos simbólicos em seu interior.
       Gromiko (1987), na obra russa As religiões da África, refere-se a essa controvérsia: Obatalá tem uma mulher chamada Odua ou Odudua que, provavelmente, é uma das personagens mais contraditórias no olimpo dos deuses iorubás. Odudua é uma divindade hermafrodita. Nos primeiros mitos personificava a divindade Terra e era companheira e ajudante de Olorun (Olodumare) na criação do Universo. Outra versão admite que ela era esposa de Obatalá... Mais tarde ... passou a ser considerada a primeira genitora do povo.
      Nas narrações, começou a ser mencionada como uma divindade de sexo masculino que descera dos céus para criar a terra, deitando um punhado de areia no oceano, precisamente em Ile-Ifé. Daí, Olokun, em sua hipóstase feminina, ter passado a ser deusa do oceano e mulher de Odudua. Deparamos pois, com outro mito em que a deusa muda de sexo e contrai matrimônio com as águas. (p. 102)
     Segundo Johnson (1921), Odudua é o antecedente comum a todos os iorubás (Odu ti o da wa - Aquele que nos criou), sendo essa a razão de algumas tradições atribuírem a ele o trabalho da Criação. O pai das dinastias iorubás, o ancestral comum a todos, seu nome é Momo, sendo Odudua um título auto-atribuído. Sua esposa, Omonide teve sete filhos: duas mulheres, as primeiras na ordem dos nascimentos e cinco homens. Com o passar do tempo seus filhos e netos enveredaram pelas matas fundando cidades, delas tornando-se reis:
 
Olowu, filho da primeira filha, o ancestral dos owu.
Alaketu, filho da segunda filha, o ancestral dos ketu.
Olibini, terceiro filho, o ancestral dos benin.
Orangun, quarto filho, o ancestral dos ila.
Onisabe, quinto filho, o ancestral dos sabe.
Olupopo, sexto filho, o ancestral dos popo.
Oranyan sétimo filho, também chamado Oloyo, permaneceu com o pai em Oroyo e é o ancestral dos oyo.
    
     Ajisafe (1964) apresenta relato análogo ao de Johnson, salvo pequenas diferenças referentes à ordem do nascimento dos filhos de Odudua. No palácio de Ifé11 o encontramos representado pela figura de um homem forte e imponente.
        
Dados históricos sobre a origem dos iorubás

    Segundo Perkins & Stembridge (1977), os mais antigos habitantes da Nigéria foram os Negros. Alguns dos mais puros Negros são encontrados entre os ibo, os iorubás e outros grupos étnicos habitantes das florestas do sul. No norte uniram-se Negros e Hamitas - ramo da Raça mediterrânea descendente de Ham, segundo filho de Noah. Os Hamitas incluem os fulani e os líbios do norte da África. Estes povos do norte deram origem a tribos de sangue mestiço das quais a mais numerosa é a dos hausa. Ile-Ifé é considerada a cidade onde ocorreu a criação do mundo. Como o isolamento da sociedade em que se vive impossibilita uma visão histórica mais ampla, a concepção da própria história e da história em geral sofre determinações decorrentes desse fato. Por exemplo, conforme cita Ki-Zerbo (1982:25), o rei dos Mossi, no Alto-Volta, intitulava a si mesmo Mogho-Naba, isto é, rei do mundo. Talvez Ifé não seja o local de origem da humanidade, mas bem pode ser um desses locais, uma vez que as descobertas feitas em Asselar - esqueletos de tipo negróide de várias épocas, alguns extremamente antigos - sugerem que o foco original desse tipo humano foi precisamente o Saara e a África Meridional.
     A raça negra de tipo sudanês ou congolês individualizou-se para adaptar-se às condições das latitudes tropicais, principalmente na África Ocidental. Conforme indica a glotocronologia, os povos habitantes das proximidades do local onde se encontram os rios Niger e Benué parecem viver naquela área há vários milhares de anos.
    Ao buscarmos dados sobre espaço e tempo dos iorubás defrontamo-nos com limites fluidos. A convivência dos muitos grupos étnicos num espaço geográfico comum e a história de colonização definem uma trama sócio-econômico-política extremamente complexa que dificulta o conhecimento daquilo que realmente ocorreu num lugar claramente localizável no mapa, num período precisamente demarcado no tempo.
      Perkins & Stembridge (1977) relatam que os iorubás vieram do vale do alto Nilo e, viajando para o ocidente ao longo da grande savana do Sudão, chegaram à Nigéria e seguiram posteriormente rumo ao sul, permanecendo nas florestas e instituindo reinados sob um chefe supremo - o Alafin de Oyo. De fato, a origem deste povo, como a de tantos outros, acha-se envolta em penumbras, com relatos reais mesclados aos lendários.  
     Johnson (1921) afirma que os historiadores nacionais desse povo eram certas famílias de ofício hereditário, mantidas junto ao rei de Oyo. Segundo este autor, os iorubás originaram-se de Lamurudu, um dos reis de Meca, de quem descenderam Odudua e os reis dos gogobiri e kukawa, duas tribos hausa. O período de reinado de Lamurudu é desconhecido mas parece ter sido bem posterior à morte de Maomé.     Quando os três ramos de sua descendência tiveram que deixar Meca, tomaram os seguintes rumos: os príncipes que viriam a ser os reis de Gogobiri e de Kukawa rumaram em direção ao oeste e Odudua seguiu em direção ao leste.
Após viajar noventa dias fixou-se em Ile-Ifé, onde encontrou-se com Agbo-niregun, também chamado Setilu, fundador do culto a Ifá.
     Este foi o relato ouvido por Johnson que aí identifica alguns traços de erro. Os iorubas vieram do Oriente, sem dúvida, como provam seus hábitos e costumes. Porém, com certeza, não pertencem à família árabe nem são originários de Meca, isto é, não da Meca universalmente conhecida pela História. Possuem fortes afinidades com o Oriente, onde Meca está localizada e, provavelmente, interpretando em sua imaginação, tudo o que vem do Oriente, como originário de Meca, representam a si mesmos como oriundos desse lugar. O único documento escrito a respeito disso é o do Sultão Belo de Sokoto, fundador dessa cidade, quiçá o mais poderoso dos soberanos fulani. O Capitão Clapperton, descrevendo Viagens e Descobertas na África Central e do Norte, 1822-182413, relata: Yarba é uma província extensa que possui rios, florestas, desertos e montanhas, bem como um grande número de coisas maravilhosas e extraordinárias. Os habitantes dessa província são supostamente originários dos remanescentes dos filhos de Canaã, que pertenciam à tribo de Nimrod. A razão de fixarem-se no oeste da África deve-se ao fato de terem sido conduzidos por Yar-rooba, filho de Kahtan, da Arábia para a costa ocidental, entre o Egito e a Abissínia. Deste lugar, avançaram para o interior da África, encontraram Yarba e ali fixaram moradia. Durante o percurso foram
deixando, em cada lugar que paravam, uma tribo de seu povo. Supõe-se que todas as tribos do Sudão que habitam as montanhas, bem como todos os habitantes de Yaory, têm essa origem. Assim, o povo de Yarba tem descrição semelhante à do povo de Noofee (Nupe).
       O nome Lamurudu (ou Namurudu) sugere uma modificação do nome Nimrod. Quem era Nimrod? Cognominado o forte, filho de Hasôul, pode ter sido também o poderoso caçador da Bíblia. Talvez as duas descrições refiram-se a uma única pessoa. A Arábia é provavelmente a Meca da tradição iorubá. É conhecido que os descendentes de Nimrod (fenícios) foram conduzidos à Arábia para guerrear, fixaram moradia e a partir dali foram conduzidos, devido à perseguição religiosa, até a África. Aqui temos também, a origem do nome iorubá: Yarba, local de sua primeira fixação duradoura na África. Yarba equivale ainda ao termo hausa Yarriba, que significa iorubá.
       A partir desses dados podemos supor que a origem mais provável dos iorubás seja a seguinte: Teriam vindo do Alto Egito ou Núbia; sendo súditos do conquistador egípcio Nimrod, de origem fenícia, o teriam seguido em suas guerras de conquistas, rumo a Arábia, onde teriam se estabelecido durante algum tempo; da Arábia teriam sido excluídos, em virtude de praticarem cultos fundamentalmente pagãos, ou ainda, uma forma deturpada de Cristianismo ocidental.
 
Organização Social e Política
 
      A forma mais comum de moradia na sociedade tradicional iorubá é o agbo-ile (compound, no dizer dos britânicos), literalmente, agregado de casas habitadas pelos membros de um clã (famílias interligadas por parentesco consangüíneo). Um conjunto de agbo-ile compõe o agbole e um conjunto destes forma o adugbo, distrito governado pelo ijoye. Estes articulam-se aos baale e ao oba.   A organização sócio-política dos iorubás é monárquica, com duas categorias de soberanos - o baale, literalmente, dono da terra, fundador e chefe de um povoado e o oba, chefe de uma cidade e dos povoados a ela associados. O oba é escolhido entre os baale e rege com um Conselho deles. Os obas são chamados Omo Oduduwa, filhos de Odudua.
    Esta organização articula-se com outra, cujas normas são ditadas pela Constituição Republicana dos países que compõem a Terra Iorubá. Por exemplo, a entidade política conhecida como Nigéria ganhou existência formal em 1914, graças à união entre as Procuradorias Britânicas do Norte e do Sul. O país como um todo tornou-se independente em 10 de outubro de 1960. Três anos, em 10 de outubro de 1963, tornou-se República, rompendo todos os laços com a Coroa Britânica, passando a integrar a Organização das Nações Unidas.
 
Alguns dados a respeito da economia nigeriana
     A agricultura tem sido a atividade profissional mais importante a ela associando-se a caça e a pesca. Grande parte da população exerce atividade agrícola, produzindo inhame, arroz, feijão, cana de açúcar, frutas cítricas e mandioca para consumo interno; cacau, azeite de dendê, amendoim e madeira para consumo interno e exportação. Mandioca, inhame, milho e feijão constituem alimentos básicos. O cardápio alimentar inclui pimenta, verduras, tomate, obi, abacaxi, laranja e banana.
    Outras atividades profissionais desenvolvidas nos povoados e cidades são a forja, o artesanato em madeira, a fabricação e tingimento de roupas, a medicina tradicional e a prática oracular. Os profissionais organizam-se em grupos e reúnem-se periodicamente com o objetivo, entre outros, de render culto aos seres espirituais tutores de sua profissão.
    O setor industrial acha-se em desenvolvimento, principalmente a indústria do aço e do ferro. Atualmente, esforços são empreendidos no sentido de incentivar o desenvolvimento de indústrias petroquímicas, de fertilizantes e de gás liqüefeito. Indústrias têxteis provêm parte do necessário ao consumo interno. Ferro, estanho, nióbio, carvão, pedra calcária e petróleo são abundantes.
     A agricultura é atividade exclusivamente masculina, competindo às mulheres a limpeza, moagem, armazenagem e processamento dos produtos agrícolas. As mulheres cuidam das crianças pequenas, dos animais de abate (basicamente aves e caprinos) e do preparo dos alimentos. Outra atividade tradicionalmente feminina é a comercial: mulheres de agricultores recebem de seus maridos os excedentes comercializáveis da produção para vendê-los. Em geral organizam-se em grupos cooperativos denominados ajo. Reúnem-se a intervalos regulares, realizam poupança conjunta e ao fim de cada encontro a quantia reunida é entregue a uma das integrantes do grupo. Essa ajuda mútua tem possibilitado independência econômica a muitas mulheres.
      No contato com a modernidade a condição feminina tem sofrido alterações significativas. Atualmente, as mulheres têm negócios próprios, ocupam cargos políticos, trabalham em embaixadas, cortes e ministérios.
 
Sistema de moradia e organização familiar
    Conforme mencionamos, a forma mais comum de moradia é o agbo-ile. Tradicionalmente, as casas eram construídas de taipa e cobertas com folhas de palmeira. Atualmente muitas casas ainda são construídas de taipa, porém cobertas de zinco. Nas construções mais recentes são usados tijolos, cimento e caixilharia industrializada. A estrutura tradicional do agbo-ile compreende um grande corredor central, geralmente bastante largo, ladeado por uma sucessão de portas que conduzem a quartos ocupados por um ou mais membros do clã. Os homens que optaram por casamento poligâmico abrigam cada esposa e respectivos filhos num dos quartos e reservam para si próprios um aposento de uso exclusivo. Em alguns agbo-ile há um aposento para os rapazes. Ao casar, o rapaz conduz a moça para morar consigo na casa dos pais e, caso não haja espaço suficiente, realiza-se a construção de nova casa ao lado da já existente.
     No grande corredor central as pessoas se reúnem, as refeições são preparadas, os visitantes recebidos, as festividades realizadas. Mais recentemente alguns desses quartos têm sido usados como banheiros e salas de estar. A parte do corredor central que integra o quarto da mulher é para seu uso, sendo sua responsabilidade mantê-la limpa. Para o preparo da comida um fogareiro de querosene é colocado no chão, diante da porta do próprio aposento e praticamente toda a atividade culinária se realiza ali. A pessoa cozinha acocorada ou sentada num apoti, banquinho que não ultrapassa vinte centímetros de altura. As crianças participam dessas atividades, bem como de outras ocupações domésticas.
    A sociedade iorubá é patriarcal. Os laços de parentesco determinados por vínculo consangüíneo ou por casamento constituem uma das maiores forças na vida tradicional africana e controlam as relações entre as pessoas da comunidade, determinando o comportamento de cada indivíduo em relação aos demais. Cada indivíduo ocupa uma posição familiar - irmão, irmã, pai, mãe, avô, primo, cunhado, tio... Há muitos termos para precisar a relação de parentesco entre uma pessoa e outra(s). Quando dois estranhos chegam ao povoado, uma das primeiras preocupações é a de identificar o que um é do outro, diz Mbiti.
     Uma vez realizada essa identificação, também estará identificado o sistema de referência e então será possível definir os comportamentos a adotar frente a eles. Se, por exemplo, são irmãos, é necessário saber quem é o mais velho porque essa informação é necessária para definir tanto as expectativas de comportamento deles entre si como a relação de respeito que deverá ser estabelecida com cada um dos dois. Egbon é o irmão mais velho, aburo, o mais jovem e o comportamento em relação a eles deve ser distinto. As relações de parentesco são tão importantes que muitas vezes uma pessoa não é identificada pelo próprio nome e sim pelo vínculo que possui com outra. A sogra pode carinhosamente chamar a própria nora de iyawo mi - minha esposa e apresentá-la aos amigos como a esposa.  Nascido o filho, o pai e a mãe passam a ser chamados por um nome que denota sua relação com a criança. A partir do momento em que nasce uma criança de nome Olukemi, por exemplo, a mãe passa a ser chamada Iyakemi (mãe da Kemi) e seu pai, Babakemi (pai da Kemi).
       Além de estender-se horizontalmente, o sistema de parentesco estende-se verticalmente, incluindo os falecidos (mortos-viventes) e os ainda não nascidos. É forte o senso de pertença histórica, o sentimento de posse de profundas raízes e o senso de sagrada obrigação para com os antepassados. Vínculos genealógicos servem a propósitos sociais. Citando-se a referência genealógica de alguém é possível saber como essa pessoa liga-se a outra(s) em determinado grupo.
     As famílias são geralmente numerosas. Um homem com muitas esposas, cada qual com seus filhos e os parentes a eles associados compõem um grupo grande. Considera-se que os já-idos permanecem interessados pelos acontecimentos familiares, aconselhando, admoestando, protegendo, punindo e reivindicando manifestações de carinho e amizade, solicitando comida, bebida e retificação de ofensas. Cada indivíduo é considerado parte de um todo e seu nascimento físico é apenas o primeiro passo para o ingresso em sua comunidade, havendo rituais de integração ao grupo. O ocorrido a um indivíduo ocorreu a seu grupo e o ocorrido ao grupo, ocorreu ao indivíduo: sou porque somos e por sermos sou. (RIBEIRO, Ronilda Iyakemi. - Alma Africana no Brasil. Os iorubas. São Paulo-SP, Editora Oduduwa, 1996, p.37 a 44)

LENDA DO MÊS:


POR QUE SE ENTERRAM OS MORTOS

   Naquele tempo, os homens [e mulheres] não enterravam seus defuntos. Cada um que morria era enrolado em panos e seus corpos eram depositados aos pés de grandes arabás, árvores sagradas, muito comuns na África.
    Havia, então, um homem casado com uma bela mulher a quem amava de paixão.
    - Assim como o verão traz o calor e o inverno o frio, tua presença traz alegria à minha vida e ao meu coração – dizia ele, revelando todo o seu sincero amor à sua companheira.
Mas, infelizmente, o sentimento que o bom homem dedicava à sua querida esposa não era correspondido.
     A mulher, pérfida e fingida, desprezava profundamente seu marido e mantinha relações com um homem da vizinhança por quem se apaixonara e se entregara de corpo e alma.
-Temos que nos livrar da desagradável presença de meu marido presença do meu marido! – dizia ela ao amante, que, sendo de boa índole, não tinha coragem de matar o rival, como era desejo da adúltera, que, por sua vez, também não queria manchar as mãos com sangue do esposo.
    Um dia, tentando solucionar o problema, a mulher pediu a ajuda de Exu, que lhe deu a seguinte orientação.
    Um dia, tentando solucionar o problema, a mulher pediu a ajuda de Exu, que lhe deu a seguinte orientação:
- Se queres viver feliz e livre da presença do teu marido, deves simplesmente fingir-se de morta. Para Ito, basta que tomes um pouco deste remédio. Algumas horas depois, desfalecerás. Todos os sintomas da morte surgirão em teu corpo, mas, no dia seguinte, despertarás do sono profundo que te tomará. Agindo normalmente, teu marido irá enrolar teu corpo em panos perfumados e abandoná-los nos pés do arabá, de onde teu amante poderá te resgatar, levando-te definitivamente para sua casa, onde deverás permanecer escondida para sempre – disse Exu, entregando à mulher uma pequena cabaça cheia de uma poção mágica.
-Agora vai! – ordenou Exu. – Antes de tomares a medicina, deves sacrificar, em minha honra, um bode e dois galos, para que eu te proteja durante o sono profundo em que cairás.
     De posse da medicina, a mulher partiu excitada, para a casa do amante, a quem narrou todo plano. Sua pressa era tanta que voltou logo para casa e, sem oferecer o sacrifício exigido por Exu, sorveu, de uma só vez, todo conteúdo da cabaça.
Imediatamente, sentiu-se desfalecer e um estertor, semelhante em tudo ao da morte, tomou seu corpo.
     Ao ver a mulher agonizante, o pobre marido saiu em busca de socorro e, em desabalada carreira pela estrada, encontrou Exu.
- Ajuda-me, Senhor! Minha mulher está morrendo e nada posso fazer para salvá-la – pediu o homem desesperado.
- Morrendo? – perguntou Exu. – Como morrendo, se nem sequer ofereceu o sacrifício?
- O que disseste? – perguntou o homem sem nada entender.
- Nada! – respondeu Exu. – Eu não disse nada! Conduz-me depressa à tua casa. Sou médico e, quem sabe, chegaremos a tempo de salvá-la!
     E correndo, lá forma os dois em direção à casa onde a mulher, sob o efeito do remédio, já entrara em profundo estado cataléptico.
- Tarde demais! – exclamou Exu fingindo constrangimento. – Tua mulher já ETA morta. Mas deixa-me examiná-la para sabermos o que provocou seu falecimento tão repentino. Afinal de contas era jovem e forte, pelo que posso presumir olhando seu cadáver.
     Depois de fingir detalhado exame no corpo da mulher, Exu disse ao choroso marido:
- Tua mulher morreu de uma doença terrivelmente contagiosa que, sem qualquer sintoma, mata mais depressa que um raio. Trata-se da segurança de todo o povoado, além da tua própria segurança. Temos que enterrá-la imediatamente, sem velório  e nem rituais.
     Obediente, o pobre homem providenciou alguns lençóis nos quais o corpo foi enrolado e, com ajuda de Exu, transportou sua mulher até o pé de um arabá onde a enterrou num buraco bem fundo.
     No dia seguinte, sem saber o que havia ocorrido, o amante foi ao encontro da mulher e, chegando aos pés da árvore, deparou-se com uma sepultura coberta de flores.
   Ao tomar conhecimento do fato, enlouqueceu, passando a ser perseguido pelo egun de sua amante.
    E foi assim [...], que Exu inventou o costume de enterrarem-se os cadáveres.
    Depois disto, nunca mais ninguém ousou a brincar de defunto; com medo, provavelmente, de que Exu, só de molecagem, enfiasse dentro de um buraco na terra.
(MARTINS, Adilson. Lendas de Exu. Pallas: 2008. p. 120 a 122)