Boas Vindas!!

MOJUBÁ !
Temos o intuito de incentivar e discultir textos sobre as religiões de matriz africana entre outras questões que envolve essa temática, também ter um espaço para divulgação da atividades da Egbé que alcança o Ilê Axé Sangó e o Centro Cultural Ébano Brasil.

quinta-feira, 1 de março de 2012

NOSSA HERANÇA YORUBANA


Babaloorisá João Bosco D’Sangó





            É inegável que os negros yorubanos que na condição de escravizados vieram para as Américas e consecutivamente para o Brasil deixaram um legado fantástico para a formação religiosa desta nação. Estamos referindo ao Candomblé – Culto de matriz africana que foi organizado e adaptado a realidade brasileira. Não se pode afirmar que em qualquer lugar da África tenha noticias de existir o Candomblé como é praticado em nosso país, o que existe do outro lado do Atlântico são cultos animistas familiares que difere em sua grande maioria do culto afro-brasileiro denominado de Candomblé. Porém negar a raiz africana desse culto seria hipocrisia, visto que os Orisás vieram na alma do povo yorubano durante o processo diaspórico.  E com a inteligência e sagacidade do homem e da mulher negro (a), especialmente dos de cultura yorubana, os mesmos organizaram um culto que ao mesmo tempo tem tudo a ver com o que se pratica no continente negro, porém com um rosto tipicamente afro-brasileiro. Enquanto em na Nigéria cada comunidade ( ègbé) tem seu culto familiar ancestral próprio, ou seja cada grupo familiar culta um único Orisá, entre nós praticantes de Candomblé em um mesmo é preferível que se tenha a presença de todas divindades. Sem dúvida a sagacidade afro-brasileira sem desse culto tipicamente africano uma nova forma de ligação com o nunca dos Orisás. Não se pode negar que esse modelo de organização (re) criado por estas terras fez com o ato de cultuar as divindades africanas se tornasse mais rica e diversificada culturalmente falando. Entretanto não perdeu a essência do que é praticado em África.

            Neste mês este meio de comunicação deseja começar discussão acerca das raízes africanas presentes no culto de Candomblé praticado em nosso país, para tanto depois de pesquisas e leituras, escolheu-se a obra Cultura Ioruba – Costumes e Tradições, escrita pela pesquisadora Maria Inez Couto de Almeida – Ifatosin, para nortear nossas reflexões, e sem dúvida aprofunda nosso conhecimento sobre quem somos e o que praticamos. O texto que apresentamos constitui o primeiro capitulo da referida obra, e intitula-se Costumes e Traduções, no qual a autora busca perceber semelhanças entre o Candomblé de Nação Ketu por nós praticado e os costumes tradicionais yorubano, vale a pena ler e refletir.

            O segundo artigo refere-se uma lenda yorubana na qual busca dar explicação de um dos fatores que o Orisá Esú é o primeiro a comer e o primeiro a ser saudado no Culto de Nação Ketu. A lenda intitula-se Eleguá[1] ganha a primazia nas oferendas.

            Em se tratando das atividades da Ègbé Omorisá Sangó para o mês de março, são as seguintes:

-Dia 03- sábado: (Das 15:00 às 18:00 horas) – Atendimento Público;

- Dia 03 – Quarta Feira ( 20:30) Amalá

-Dia 10- sábado: ( Das 15:00 às 17:00 horas) –  Projeto Discutindo Candomblé Ketú;


Dia 17- sábado: ( Das 15:00 às 17:00 horas) –  Projeto Discutindo Candomblé Ketú;


Dia 24- sábado: (Das 15:00 às 18:00 horas) – Projeto Falando Yorubá: Cantando e Dançando  para Orisá;


Dia 25 – domingo: ( Das 10:00 às 12 horas) - Projeto Falando Yorubá: Cantando e Dançando  para Orisá.


Aproveitamos a oportunidade para parabenizar todas as mulheres de asé (08 DE MARÇO DIA INTERNACIONAL DA MULHER) que fazem a diferença em nosso país, verdadeiras mães e zeladoras de nossas ègbé, ilês e templos. Nosso carinho especial a Iya Nair d’Oya, nossa querida Iya Kèkèrè e as Iyarobás Suzi d’Osun e Ângela d’ Osun.


Texto 01:        COSTUMES E TRADIÇÕES

Maria Inez Couto de Almeida - Ifatosin

Verificamos uma grande semelhança entre os costumes tradicionais dos iorubá - independente de religião, e os rituais nas cerimônias dos candomblés de Ketu, no Brasil. Não pretendemos, nem sequer podemos, discutir fundamentos. Queremos apenas mostrar pontos comuns entre os antigos hábitos dos povos que formavam o grupo iorubá e o comportamento atual dos adeptos da religião trazida para o Brasil. Acreditamos em uma adaptação dos costumes para propiciar a aplicação dos fundamentos.


Cuide de suas maneiras

Cuide de suas maneiras, meu amigo!

A honra pode abandonar nossa casa,

e a beleza, às vezes, acaba.

O rico de hoje pode ser o pobre de amanhã.

A honra é como o mar,

e também a onda da riqueza;

ambas podem escapar de nossa casa.

Mas as boas maneiras acompanham-nos

até ao túmulo.

O dinheiro não é nada,

As boas maneiras é que são

a beleza da humanidade.

Se você tem dinheiro, mas não se comporta bem,

quem irá confiar em você?

Ou, se você é uma mulher muito linda,

mas não se comporta de maneira adequada,

quem desejará tê-la como esposa?

Ou, ainda, se você é muito educado,

mas engana as pessoas,

quem confiará em você para negócios?

Cuide de suas maneiras, meu amigo.

Sem bons modos, a educação não tem valor.

Todos amam uma pessoa que sabe se comportar.

Esta poesia iorubá retrata bem os costumes e a importância que o povo dá à educação e à honra.

TOJÚ ÌWÀ RE

Tojú ìwà re, ore mi!

Olá a ma si lo n’ilé eni,

Ewà a sì ma sì l’ára enia,

Olówó òní ‘ndi olòsì b’ó d’ola

Òkun l’ola, òkun nìgbì oro,

Gbogbo won l’ó ‘nsí lo nílé eni;

Sùgbon ì`wa ni ‘mbá’ ni dé sàree.

Owo kò je nkan fún ‘ni,

Ìwà l’ewà l’omo enia.

Bí o l’ówó bí o kò ní ‘wà ‘nko,

Tani je f’inú tán o ş’ohun rere?

Tàbí bí o sì şe obìrin rogbodo,

Bí o bá jìnà sí ‘wa tí edá ‘nfe,

Taní je fe a s’ílé bí aya?

Tàbí bi o je oníjìbìtì enia,

Bí a tile mo ìwé àmodájú,

Taní je gbé ‘se aje fún o se?

Tojú ìwà re, ‘ore mi,

Ìwà kò sí, eko d’ègbé,

Gbogbo aiye ni ‘nfe ‘ni t’ó je rere.

A importância dada ao bom caráter (ìwà pele)

Ìwà é o que caracteriza uma pessoa sob o ponto de vista ético. Para ser feliz uma pessoa deve ter ìwà pele, pois quem tem bom caráter não entra em choque com os seres humanos nem com os poderes sobrenaturais. Esse é o mais importante dos valores morais iorubá, e a essência da fé consiste em cultivá-lo.

A lenda de Ìwà é relatada na literatura de Ifá.

Ìwà era uma mulher de rara beleza com quem Orúnmílà se casou, após ela ter se separado de diversos outros deuses.

Apesar de sua beleza, Ìwà tinha maus costumes e falava demais, sendo ainda preguiçosa e irresponsável.

Depois de algum tempo de casados, Orunmila, não podendo suportar o mau comportamento de sua esposa, mandou-a embora.

Entretanto, quando Ìwà partiu, Orúnmílà percebeu que não podia viver sem ela. Perdeu o respeito dos vizinhos, sua prática divinatória perdeu o valor, seus clientes se afastaram, ficou sem dinheiro, enfim perdeu tudo e foi desprezado por todos.

Tentando achar uma solução, vestiu-se de Egúngún e saiu por aí, à procura de Ìwà. Foi à casa dos 16 odu de Ifá à procura da esposa, cantando na porta de cada um:

“Grande Sacerdote de Ifá de Ajeró,

Adivinho de Ajeró,

Onde você vir Ìwà, diga-me.

É Ìwà, Ìwà que estou procurando.

Se você tem dinheiro, mas não tem Ìwà,

O dinheiro não é seu;

Ìwà é a pessoa que eu procuro.

Se alguém tem filhos, mas não tem Ìwà,

As crianças pertencem a outra pessoa;

Ìwà, é que procuramos

Se temos uma casa, mas não temos Ìwà,

A casa não é nossa, é de outra pessoa.

Ìwà, Ìwà é o que procuramos.

Se você tem roupas, mas tem falta de Ìwà,

As roupas pertencem a outra pessoa.

Ìwà, Ìwà é o que procuramos.

Todas as boas coisas da vida que um homem possui,

Se ele perder Ìwà, elas passam a pertencer a outra pessoa.

Ìwà, é o que estamos à procura!”

(Ogbon inú, awo Alárá;

Dífá fún Alárá, Èjí Osá,

Omo Amúrin kàn dogbon agogo.

Ìmoràn, awo Ajerò, Difá fun Ajerò,

Omo ògbójú koroo jà jále.

Níbo ló gbé ríwà fún un o,

Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.

Ó nó bó o lówó, tóò níwà,

Owo olówó ni.

Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.

Omo la bí,

Ta níwà, Omo olomo ni.

Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.

Bá a nílé, tá à níwà,

Ilé omílé ni.

Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.

Bá a láso,tá à níwà

Aso, aláso ni.

Ìwà, Ìwà là n'wá o, Ìwà.

Ire gbogbo tá a ni,

Tá à níwà.)

Depois de grande procura Orunmila achou Ìwà casada com Olójo. Quando cantou na porta de Olójo, este foi à porta recebê-lo e recusou-se a devolvê-la. Então eles começaram a brigar. Orúnmilá bateu em Olójo com a perna de uma cabra que havia sacrificado antes de sair de casa. O impacto atirou Olójo a muitas milhas de distância, e Ìwà foi levada de volta para sua casa.

Ao analisar a lenda vemos as várias razões da importância dada a Ìwà. Primeiro é importante que o bom caráter seja simbolizado por uma mulher. No folclore ioruba as mulheres representam os dois extremos – amor, cuidado, devoção e beleza, versus fraqueza, deslealdade e falsidade. Só as mulheres podem simbolizar essa dualidade, de acordo com o conceito ioruba. A lenda mostra ainda que o homem deve cuidar de seu caráter tão bem como cuida de sua esposa. Da mesma forma que manter a esposa é obrigação do marido, o bom caráter deve ser uma obrigação para os quem têm fé e querem viver de forma correta.

As mulheres são consideradas bruxas e podem até ser mentirosas, mas os iorubá crêem que a sociedade não pode sobreviver sem elas. Da mesma forma, pode ser difícil ter bom caráter, mas não se pode ser feliz sem ele.

Ìwà foi uma mulher que perdeu os bons hábitos. Significa que o homem que quer ter bom caráter deve estar preparado para encarar egbin - coisa suja - e passar por algumas situações desagradáveis, que podem ofender sua dignidade e decência. Mesmo assim não deve se desviar do bom caminho, para não perder a essência e o valor de sua vida.

Os versos equiparam Ìwà aos bens materiais que os homens almejam: dinheiro, filhos, casa e roupas. Um homem que tem bens materiais, mas não tem caráter, provavelmente irá perder tudo para uma pessoa de caráter, que saberá melhor tomar conta desses bens. Ìwà é o atributo de maior valor entre todos, no sistema iorubá.

Vemos que o costume dos zeladores de santo, de transmitir ensinamentos através de lendas (itans) em que os Orixás se comportam como pessoas comuns, com seus defeitos e fraquezas, é também uma herança da cultura tradicional ioruba.



Texto 2 – ELEGUÁ GANHA A PRIMAZIA NAS OFERENDAS

            Olofim estava muito doente. Muitos foram vê-lo, mas não se encontrou o que o curasse. Por esses tempos Eleguá comia o que o lixo lhe dava, convivendo com a miséria. Sabendo da doença de Olofim, Eleguá vestiu um gorro branco, igual aos que usam os babalaôs, e foi visitar o velho rei. Levou consigo suas ervas e com seu poder curou Olofim. E o mesmo ficou agradecido. Perguntou a Eleguá qual deveria ser a recompensa. Eleguá que conhecia o que era miséria, que provara do desprezo de todos, pediu-lhe que lhe dessem a primazia nas oferendas, que lhe dessem sempre um pouco de tudo o que pusessem à entrada das casas, de modo a ser sempre o primeiro a ser saudado pelos que chegassem à casa. E para que fosse saudado pelos que saíssem à rua. Olofim estava grato a Elguá. Olofim deu tudo o que Eleguá pediu. (PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. Cia das Letras: São Paulo-SP, 2001, p. 53 e 54)

























[1] Eleguá é um dos nomes do Orisá Esú.