Boas Vindas!!

MOJUBÁ !
Temos o intuito de incentivar e discultir textos sobre as religiões de matriz africana entre outras questões que envolve essa temática, também ter um espaço para divulgação da atividades da Egbé que alcança o Ilê Axé Sangó e o Centro Cultural Ébano Brasil.

domingo, 6 de novembro de 2011

POR UMA QUESTÃO DE DIGNIDADE

Babaloorisá João Bosco D’Sangò



Novembro comemora-se o mês da Consciência Negra. Comemorações e festas não irão faltar pelo Brasil a fora. Nada contra festas, porém cremos ser ínfima diante do cotidiano injusto que ainda perpassa a realidade de nós afrodescendente. Devemos sim comemorar o 20 de novembro, afinal entre tanto outros heróis negros que temos Zumbi – o líder do Quilombo de Palmares é um deles. Mas também deve-se aproveitar esse mês para discutirem-se os meandros que pairam as religiões de matriz africana.

Refletir acerca do que seja ter consciência negra entre nós religiosos de matriz africana é perceber a importância do diversos povos negros que com a diáspora africana vieram para nosso país na condição de escravizado. Porém, o que percebe-se entre um variado grupo de lideranças religiosas de matriz africana é ainda a ausência de compreensibilidade sobre do papel do candomblé na formação social e cultural do Brasil. Estes religiosos poucos informados e também poucos formados do seu papel social resume-me as suas funções em apenas e tão somente religiosas. Esquece-se os mesmo que nossa função enquanto lideranças vai muito além, visto que lidamos com seres humanos, e como tal são desejosos de respostas para suas vidas. Portanto a luta por dignidade humana, por conhecer a história do povo negro tanto na África quanto no Brasil.

Discutir dignidade do negro no Brasil é destacar a luta de um povo que com garra nunca curvou-se diante de seus opressores. E isso as lideranças religiosas do candomblé, além de conhecer essa história devem ressaltar tais fatos para seus liderados, pois como enaltecer o candomblé sem, contudo conhecer o processo de diáspora africana para o nosso país?

Ressalvo que nós liderança religiosas temos obrigação de estudar, conhecer e saber não só sobre candomblé e sim sobre a história e cultura africana e afrobrasileira de uma forma geral. Dessa forma estaremos compreendendo ou pelos menos tentando compreender a alma do negro e do afrodescendente no Brasil, visto que em nossos templos estão presentes pessoas das mais diversas índoles e personalidades. Por isso sacerdotes e sacerdotisas do candomblé devem estar muito bem preparados (as) para lidar com as angustias e mazelas humanas, especialmente do ser humano negro.

No mês da consciência negra este meio de comunicação deseja aventar discussão sobre o papel do sacerdote e sacerdotisa de candomblé como lideranças religiosas e seu papel na sociedade como um todo. Para tanto selecionou-e artigo em que traz as tona a questão das intolerâncias aos praticantes de religião de matriz africana. Visto que é impossível as lideranças religiosas de matriz africana fechar os olhos para essa cruel realidade existente em todos os cantos do Brasil. O artigo propõe a discutir os percalços da vivência cotidiana da dimensão de fé de matriz africana na sociedade brasileira mediante o crescimento da intolerância religiosa. Os autores afirmam que o crescimento da intolerância religiosa em relação aqueles (as) que professam a fé nas religiões dos Orixás tem instigado pesquisadores(as), uma vez que influenciam o processo de interação social. Nas relações familiares, nas escolas, no mundo do trabalho, e até mesmo no simples andar pelas ruas das cidades, as práticas de intolerâncias têm se revelado como afronta à dignidade humana.

Na lenda do deste mês intitulada O Valor do Trabalho, procura demonstrar a importância do trabalho na vida dos seres humanos, como também evidenciar que todo e qualquer trabalho é digno, desde que realizado com gosto e prazer.

Quanto ao calendário de atividades do mês da Egbè Omorisá Sangò são as seguintes:

-Dia 05 (Sábado) das 15 às 17 horas- Atendimento Público;

-Dia 09 (Quarta Feira) Amalá;

-Dia 12 (Sábado) Participação do Ipeté (Festa de Osùn) na Egbé Oni Odé –Campo Grande –MS;

- Dia 19 (Sábado) das 15 às 17 horas- Projeto Entendendo o Candomblé de Nação Ketu – Roda de discussão e debate;

- Dia 26 das 15 às 17 horas- Projeto Entendendo o Candomblé de Nação Ketu – Roda de discussão e debate.

Esperamos com esses escritos contribuir para uma melhor compreensibilidade das religiões de matriz africana no Brasil, e desejamos a todos e todas um mês de alegria e sucesso. Boa leitura da todos (as)

PARA ALÉM DOS MUROS DO ILÊ: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS DE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA


José Geraldo da Rocha (Unigranrio/LEECCC-UFF)

Cleonice Puggian (Unigranrio)

Luana Rodrigues (Unigranrio)







Neste texto descrevemos os resultados da pesquisa sobre a intolerância religiosa vivenciada pelas pessoas que professam a sua fé nas religiões dos Orixás. Tal intolerância tem marcado a vida cotidiana dessas pessoas e criado transtornos e constrangimentos nos processos de interação social. Já não se discriminam mais apenas quando essas pessoas então realizando seus cultos nos terreiros, no Ilê, mas ao serem identificadas como pertencentes ao Ilê em qualquer esfera das relações sociais. A intolerância então passa a solapar a dignidade, seja no mundo do trabalho, na escola, na vida familiar, na rua e nas relações com os organismos públicos.

Iniciaremos este trabalho esclarecendo alguns termos utilizados no estudo e situando a questão da intolerância religiosa. Em um segundo momento, apresentamos de forma sucinta informações sobre a Baixada Fluminense – nosso campo de pesquisa – e a metodologia utilizada, e finalmente, abordaremos alguns dos depoimentos colhidos em campo e suas implicações nos processos de interação social.



Esclarecendo os termos e situando a intolerância religiosa

Religiões de matriz africana é um termo geralmente utilizado para designar as práticas religiosas desenvolvidas pelos negros no Brasil. Segundo Verger, (1981) as primeiras menções às religiões africanas no Brasil são de 1680, por ocasiões das pesquisas do Santo Oficio da Inquisição, quando Sebastião Barreto denunciava o costume que tinham os negros, na Bahia. Quando se fala de “religiões de matrizes africanas”, não está fazendo distinção entre os pertencimentos vinculados às tradições sejam elas, ketu, jêje, nagô, nação ou angola. Nem tampouco distinção entre candomblé , batuque, tambor e umbanda. Isto porque, a intolerância é generalizada, estendida a todos os que professam as religiões dos Orixás, cujo rótulo ou estigma passou a ser naturalizado nas relações sociais como “os macumbeiros”.

Ilê é o terreiro, que segundo a cultura yoruba, significa casa, ou então, o espaço de realização do culto sagrado nas tradições dos orixás. Orixás são as divindades cultuadas nos terreiros, entendido como uma força pura, uma energia imaterial ou mesmo um ancestral divinizado (VERGER 1981)

Já o termo “intolerância religiosa” refere-se a atitudes, que são expressas por gestos e palavras – “Fui agredido na minha rua por uma pessoa evangélica que discriminou uma filha de santo minha, quando ela estava de resguardo”(…) “…palavras agressivas que já conhecemos, que trazem consigo a intolerância religiosa, e eu, sinceramente, me senti muito mal” (…) “o lixo do barracão ele não leva” ].Tais atitudes revelam inabilidades, preconceitos e uma indisposição em relação ao reconhecimento e o respeito às diferenças ou crenças religiosas do outro. Do ponto de vista da origem, pode-se afirmar que tal intolerância está relacionada ao sistema de convicção religiosa nas próprias crenças dos indivíduos ou mesmo na incapacidade do indivíduo de compreender as crenças e práticas religiosas diferentes da sua e consequentemente, admitir o seu direito à existência.

A intolerância religiosa, bem como a discriminação, são fatos sociais, que em conformidade com a teoria sociológica de Émile Durkheim, estão caracterizadas em função da sua generalidade. Em tempos de recrudescimento da intolerância e da discriminação étnico-racial mundo afora, verifica-se que nos países da Comunidade Européia os judeus permanecem como alvos principais, seguidos de perto por muçulmanos e imigrantes de várias nacionalidades. Há conflitos envolvendo protestantes x católicos; judeus x católicos; islã x cristãos; ocidentais e tradições afro.

Segundo Hans Kung (1993), não haverá paz no mundo sem uma paz entre as religiões. Uma grande quantidade de conflitos entre povos nos vários continentes tem em suas raízes a questão religiosa. O entendimento entre as diferentes religiões é exigência para a convivência digna entre os povos, entre as culturas, entre as nações e entre os cidadãos.

Nessa perspectiva, são notórios os esforços realizados no mundo inteiro buscando formas de superação da intolerância religiosa. A intolerância religiosa amplamente discutida na Conferencia Mundial de Durban, na África do Sul, em 2001), instigou os países membros das Nações Unidas e envidar esforços na busca de superação de tal situação.

Desde os tempos da colonização na América Latina, a fé professada a partir dos elementos da africanidade, tem sido concebida pela cultura dominante como uma prática primitiva, agressiva aos “bons costumes” e não raro associada às coisas do demônio. No contexto da colonização, as expressões religiosas que se opusessem ao projeto colonial, eram identificadas como algo maléfico e não pertencente a Deus. Tal concepção estava fundamentada no postulado “fora da igreja não há salvação”.

A vivência da religiosidade de matriz africana no Brasil no período colonial significou uma estratégia de resistência cultural dos diferenciados grupos afros brasileiros. No contexto de dominação colonial professar a fé em qualquer outro tipo de religião que não o cristianismo significava tornar-se alvo de perseguição. A historia do país está repleta de eventos que atestam tal violência (FRISOTTI, 1992; ROCHA, 1993; SANTOS & ROCHA, 2007). Em um período em que toda expressão religiosa pertencente aos negros estava associada à coisa do demônio, desenvolver o culto aos Orixás passou ser um desafio para não serem descobertos. O tocar durante a noite, às escondidas tornou-se algo natural nesse universo. Tal necessidade acabou chegando até nossos dias. Em uma nova configuração de ocupação de espaços, do ponto de vista da vivência religiosa, os afros brasileiros vão deparar com novas formas de intolerância religiosa. É a chamada intolerância cotidiana.

A temática da discriminação e intolerância religiosa relacionada às religiões de matrizes africanas no Brasil é uma realidade que vez por outra ressurge também no universo da academia. Com o evento da lei 10.639, que instituiu o ensino da história da África e da Cultura Afro Brasileira na rede pública e privada do Ensino Básico, alguns aspectos dessa realidade têm evocado uma postura diferenciada de acadêmicos e educadores. Trabalhos como “O Terreiro e a Cidade” de SODRE (1998) surge como uma importante contribuição na compreensão das organizações e delimitações dos espaços urbanos e suas relações com as práticas religiosas de origem africanas no país. Munanga (2005) alerta para a necessidade de superar os preconceitos, a fim de que os educadores possam lidar com os aspectos da diversidade presente na cultura brasileira. Essa pluralidade vai fazer com que cada um tenha maneiras diferentes de falar de Deus (THEODORO, 2005), o que na comunidade negra ocorre através da oralidade no cotidiano das práticas religiosas. Ainda segundo Theodoro (2007), tais comunidades tornam-se espaços estruturadores de identidades e de formas de comportamento social e individual.

Nessa perspectiva o trabalho de Benjamin (2006) oferece uma contribuição importante. Na coleção “A África está em nós” os aspectos religiosos ligados à cultura afra brasileira vão aparecer como uma herança e riqueza na sociedade, os quais podem ser ensinados e apreendidos.

No processo de recolocação dos valores presentes nas culturas de matrizes africanas, no tocante à religião, Rocha (1998) aponta a necessidade de uma reinterpretação do cristianismo para garantir o direito ao respeito e à liberdade religiosa dos segmentos de matrizes africanas. Seguindo uma mesma perspectiva, Santos (2007) elabora seu trabalho fazendo reverberar a tolerância religiosa através da ética a ser estabelecida na sociedade, considerando e respeitando a fé de homens e mulheres que professam a religião dos orixás como divindades criadas por Olorum.

Tal preocupação transparece também no trabalho de Barros (2007), quando sistematiza a história de Xangô como uma historia que a escola vai poder contar.

O aumento da intolerância religiosa vem mobilizado diversos setores da sociedade para lutar e fazer valer o direito à liberdade religiosa assegurado na Constituição. Foi criada a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, com membros de diversas denominações religiosas, que organizou uma mobilização, cujo resultado levou às ruas no Rio de Janeiro em 2009 mais de 10 mil pessoas na Orla de Copacabana a levantar um grito de protesto. Naquela ocasião foi produzido um Guia de Combate à Intolerância Religiosa (SILVA, 2009).

Vivemos ainda hoje em uma sociedade na qual se verificam atitudes de preconceito, de intolerância e de discriminação em relação aos adeptos e às religiões de matrizes africanas, em flagrante desrespeito ao texto constitucional que assegura a liberdade de crença a todo brasileiro. As atitudes de desrespeito explicitam elementos que configuram simbolismos e arquitetam a constelação de ritos e linguagens que regem práticas cotidianas de interação social. (GOFFMAN, 2009)

Constatar que a intolerância religiosa e a discriminação étnico-racial fazem parte do nosso cotidiano tem despertado em algumas instituições e segmentos da sociedade, em especial nos agrupamentos afro-religiosos, uma tendência de repulsa e mesmo de reivindicação de direitos diante do Estado. Há manifestações de protesto como caminhadas em defesa da liberdade religiosa, fóruns de debates sobre intolerância religiosa e a organização de seminários que discutem a relação entre Estado e religião. Artistas, intelectuais e representantes de outras religiões têm participado desse movimento e são também freqüentes as matérias de jornais, revistas e os noticiários e programas de televisão dedicados ao assunto.

O tema tem despertado interesse e necessidade do desenvolvimento de pesquisas nas academias brasileiras. Nesse contexto surge a presente pesquisa a partir da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO), localizada em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.



O campo de pesquisa e a metodologia

O campo onde se desenvolveu nosso trabalho é uma região onde se concentra um grande número de terreiros e, conseqüentemente, conflitos de natureza religiosa.

A Baixada Fluminense é uma região composta por vários municípios que formam a região metropolitana do Rio de Janeiro. Estima-se que existam em torno de cinco mil casas de cultos afros brasileiros, embora esses dados não possam ser comprovados dada a escassez de pesquisas sobre este tema. A população da região é marcadamente afro descendente. Do ponto de vista da religiosidade de matriz africana, a região ostenta ser o local para onde veio o Candomblé da Bahia. Assim sendo, a origem do Candomblé no Rio de Janeiro estaria associada à Baixada Fluminense. As casas e as personalidades mais famosas do universo religioso da matriz africana no Rio de Janeiro estão na Baixada Fluminense.

A região é também caracterizada pelo baixo poder aquisitivo da maioria da população. A condição sócio-econômica da população constitui um desafio político que há décadas implora soluções. O contexto de pobreza e miserabilidade acabou transformando a região em um “fértil terreno” de crescimento para inúmeras igrejas de denominações cristãs. Com promessas de curas para todos os males, inclusive a prosperidade financeira, desencadeou-se nessa região uma avalanche religiosa. Em contrapartida, o aumento dos conflitos com os praticantes das religiões de matrizes africanas foram se acentuando. Dentre os “males” a serem combatidos pelas denominadas igrejas evangélicas, está a expulsão do “demônio” presente nas práticas dos terreiros. Inicialmente tratava-se apenas de um “exercício de conversão” pela via da pregação e do convencimento. Com o passar do tempo, a pregação passou a ser um ato de desmoralização dos praticantes das religiões de terreiros, até chegar a agressões verbais e físicas, além dos ataques e depredações a espaços de culto. Nosso estudo indica que o fenômeno da intolerância religiosa evidenciado nos últimos anos termina por demarcar várias esferas das relações sociais, criando limites para aqueles que professam as religiões de matrizes africanas.



A metodologia utilizada na pesquisa

A pesquisa consistiu fundamentalmente em um estudo etnográfico com uma abordagem basicamente qualitativa, considerando, inclusive, o fato de as informações obtidas serem coletadas no próprio contexto, o que pode dar-lhes mais sentido. Assim, a investigação incidiu sobre as narrativas dos membros das comunidades-terreiro, centrando a reflexão nas questões que envolviam práticas de discriminação e de intolerância religiosa das quais foram vítimas. Tomando por base essas considerações, optamos por desenvolvermos nossa investigação direcionada para uma amostra de cinqüenta terreiros, nos municípios de Duque de Caxias, usando como estratégia investigativa a visita às casas, conversas com com os participantes e sobretudo, escuta de suas experiências. As visitas aos terreiros se deram inicialmente a partir de um conhecimento prévio de algumas casas de santo situadas na região. Após essas visitas, foram silictadas pelos pesquisadores, indicações de outras casas que pudesse ser visitadas. O passo que se seguia era o contato com as casas, feito pelo coordenador da pesquisa e o agendamento das visitas. Assim, de casa em casa foi se dando o cumprimento da meta estabelecida para o trabalho de campo. Uma vez cumprido o trabalho de campo, passu-se à organização e classificação do depoimentos recolhidos.



Os depoimentos e suas implicações na interação social

A pesquisa demonstrou através dos depoimentos que as diferentes dimensões da vida de nossos entrevistados são afetadas pela intolerância, interferindo diretamente no processo de interação social. Cabe ressaltar que por razões de confidencialidade, os nomes arrolados nos depoimentos são todos fictícios.



a) Na esfera da vida familiar

A família é o primeiro espaço de interação social de todos nós. Ali se dão os ensinamentos básicos e primeiros aprendizados da convivência humana. As concepções de valores éticos e morais são ensinadas no cotidiano familiar. Muitos tipos de violências nos dias atuais acabam impactando essa relação. A vivência da religião de matrizes africanas tem se colocado como desafio para a continuidade das relações familiares onde existem diferentes inserções e profissões de fé.



[No meu caso a intolerância começa dentro de casa na minha família. Sou de tradição católica e essas coisas de terreiro lá em casa são vistas com muita reserva. Ao tomar conhecimento de minha pertença religiosa ligada aos ancestrais e que tinha que cuidar do meu santo, resolvi fazer tudo escondido para não criar um mal estar na minha família. Na casa da minha mãe ninguém sabe que fiz santo. E se me perguntarem eu nego. Minha sorte é que não moro mais com eles no dia a dia. Quando preciso fazer minhas obrigações no terreiro digo a eles que vou viajar. Assim levo a minha vida.] ( LÚ)



É muito comum na constituição das famílias brasileiras encontrarmos pessoas ligadas direta ou indiretamente a diferentes inserções religiosas. Por se tratar de relações familiares os conflitos acabam sendo contornados. Os laços consangüíneos influenciam decisivamente os processos de busca de soluções nos relacionamentos. Em muitos casos a tônica é a dissimulação como elemento chave da convivência. “sou, mas é como se não fosse, pertenço, mas é como que não pertencesse”. O rompimento com a família em função da vivência religiosa só ocorre em casos extremos. Nesses casos as religiões de matrizes africanas estão colocadas como fator determinante.

[Sou professora do ensino fundamental e catequista. Quando descobri que teria que iniciar num terreiro por questão de saúde foi um drama. Minha família não poderia ficar sabendo. Eu não tive coragem de contar. Saí de casa e fui morar com um grupo de pessoas militantes do movimento negro numa pequena comunidade na Baixada. Aproveitei esse tempo e preparei tudo o que precisava. Quando ia me recolher, disse a eles que ia fazer uma viagem. Eles só ficaram sabendo na verdade depois que tudo já havia acontecido. (…) foi um tempo muito difícil. Nunca mais a minha relação com a família foi a mesma. Eles vivem esperando que um dia eu abandone esse caminho errado.] ( JOANA)

O depoimento acima é uma expressão dessa necessidade de preservação das relações familiares. Existem determinadas situações que para o bem da família é melhor nem contar. Nesse caso específico a saída foi certo distanciamento do núcleo familiar. O medo de contar na verdade é o medo de não ser compreendido e a certeza de não ser aceito. A “harmonia” na família não deve ser quebrada e sendo assim, é mais prudente “dar um tempo”, sair em busca de um espaço onde haja acolhimento e aceitação da nova vivência religiosa.

A insegurança e o medo que a pertença às religiões de matrizes africanas gera para na família acaba sendo reproduzida em outros ambientes sociais.



b) O mercado de trabalho

A vivência da religiosidade de matriz africana não pode ficar restrita ao tempo em que o indivíduo está no Ilê. Ela também é vivenciada no cotidiano das relações humanas no mercado de trabalho, onde a pertença religiosa também foi ocultada pelos participantes do estudo, sob pena de perder o emprego.

[Tenho 58 anos, trabalho há trinta anos como professora de primeira a quarta em uma escola de freiras. Todos esses anos tive que esconder minha religião. Eu sabia que se as irmãs descobrissem minha religião eu seria mandada embora do trabalho. Nesses anos presenciei inúmeras vezes as formas desrespeitosas com que tratavam minha religião. A dor era maior por não poder reagir, pois reagir naquela situação era certeza de perder o emprego. Quantas vezes para não aparecer na escola com marcas de minha religião tive que inventar uma doença, forjar um atestado médico para justificar minhas faltas. Na minha religião existem preceitos que muitas vezes exigem usar um turbante branco, ou até mesmo toda a roupa branca. Como aparecer assim na escola? É muito difícil fingir essas coisas. A gente aprende com o tempo a conviver escondendo essas coisas que para nós são tão preciosas. O preconceito é muito grande. As pessoas não entendem ou não querem entender, então discriminam. Acho que elas nem se perguntam pelo sofrimento que a gente sente com essas discriminações. E assim a gente vai vivendo.] ( JOSELIA)

Diante da intolerância e da discriminação eminente no mercado de trabalho, a ocultação da prática religiosa funciona como estratégia de resistência elaborada em conformidade com cada situação. Nesse contexto, os que professam a fé nas religiões de matrizes africanas, têm a consciência dos fatos. Além disso, sabe que não pode reagir, pois a consequência será inevitavelmente a perda do emprego. Trata-se de certo modo de uma resignação diante da injustiça. E como solução vã lançar mão do famoso “ jeitinho brasileiro”. (REGA, 2009)

Saindo da esfera das relações no mercado de trabalho, a escola aparece como outro ambiente de afronta da dignidade humana em virtude da vivência religiosa.



c) A escola

A escola como instituição social tem a prerrogativa de fornecer uma educação para a formação do cidadão. Ali a responsabilidade dos educadores é garantir os elementos mínimos necessários para que a convivência social se estabeleça com base nos princípios do respeito à dignidade humana. Pressupõe-se que os preconceitos, a discriminação e a intolerância não condizem com a missão dos educadores, nem com o papel da educação.

[Estudo em uma escola pública e tem muitos alunos de igrejas evangélicas. Quando me iniciei no santo e tive que usar minhas vestes brancas foi um grande problema. A discriminação e a intolerância foram impressionantes. Alguns alunos chegavam a fazer ameaças físicas. Então reclamei junto à direção da escola. Fui informado que a escola não poderia fazer nada. Contei então para minha mãe de santo, que foi à escola tirar satisfação. Ela foi informada pela direção que a escola não poderia se responsabilizar pela situação e que seria melhor eu sair da escola. A direção colocou como condição da minha continuidade na escola um termo de compromisso da mãe de santo se responsabilizando pelo que pudesse acontecer comigo.] ( MARQUINHO)

A escola é um espaço privilegiado de formação para o respeito e para a convivência humana. É ali onde passamos maior parte do tempo em que formamos nossa personalidade, nossos comportamentos. Ensinar a conviver com as diferenças é uma dentre as várias missões dos educadores. A negação da escola em desempenhar, em profundidade, o seu papel educacional vai influenciar o modo como no cotidiano se darão as relações. Então, o que se presencia nas ruas acaba significando também expressão do aprendizado escolar ou da falta dele.



d) A rua

A naturalização do desrespeito aos praticantes das religiões de matrizes africanas vem ganhando proporções que não condizem com os princípios constitucionais de uma sociedade democrática. A iniciação, em um terreiro, e as formas de vida dela decorrentes, não poderiam servir de pretexto para práticas de intolerância nas relações sociais.

[Por várias vezes fui discriminado pela minha religião, em todas às vezes me senti muito mal, o que não é de se estranhar, quando se é violentado na sua fé. E dói muito quando acontece na sua rua, no seu bairro, onde você vive e exerce sua fé. Fui agredido na minha rua por uma pessoa evangélica que discriminou uma filha de santo minha, quando ela estava de resguardo. E eu fiquei muito chateado e fui tomar “satisfação” com ele e aí ele me disse palavras grosseiras e disse que nós fazíamos culto ao demônio, que Jesus ia salvar somente a ele e que eu iria para o inferno. Palavras agressivas que já conhecemos, que trazem consigo a intolerância religiosa, e eu, sinceramente, me senti muito mal. Eu nasci e vivo nesta rua até hoje, e depois que eles construíram essa igreja ao lado do nosso Barracão os transtornos começaram.] ( PAULO)



Ainda falando sobre a relação que se estabelece na rua, é extremamente relevante o depoimento que revela o constrangimento vivenciado por universitários em Duque de Caxias.

[… Isso aconteceu uma vez quando uma Yaô da minha casa de candomblé que estava de kelê (resguardo), pois tinha feito santo a pouco tempo, pegou uma carona comigo do trabalho dela no Rio até Caxias, na época em que eu fazia faculdade. Eu deixei meu carro no estacionamento em frente a ao Colégio Duque (onde funcionava o curso de artes) e fui com ela até o ponto de ônibus onde ela pegaria um ônibus para sua casa também em Caxias. Quando estávamos descendo a rua em direção ao calçadão de Caxias, um grupo de pessoas que estavam na sorveteria bem perto da esquina do colégio começaram a gritar que ela estava com o diabo e que só Jesus poderia livrá-la daquilo etc. Eles gritavam sem parar e alto. Confesso que fiquei sem graça e com uma certa vergonha, não da Yaô, mas sim pela situação, pelo desrespeito. Tive vontade de xingá-los, mas se eu fizesse isso chegaria ao patamar baixo daquelas pessoas e me igualaria a elas, simplesmente peguei no braço da Yaô abaixamos a cabeça e seguimos nosso caminho. Sinceramente não quero que me tolerem, eu quero que me respeitem.] (LUIZ)



A rua é um espaço público. As pessoas têm o direito de ir e vir. Entretanto, alguns se acham no direito de desrespeitar e afrontar aqueles que professam as religiões de matrizes africanas. A pesquisa demonstra que a simples presença de uma Yaô passando pela rua incomoda as pessoas. O fato de andar nos espaços públicos com elementos que identificam a fé vivenciada pelas pessoas de Ilê é motivo suficiente para serem desrespeitadas.

Outro episódio interessante se passa em um ônibus em um bairro de Duque de Caxias e corrobora para o entendimento de como em espaços públicos a intolerância se manifesta.



[Entrei num ônibus em um bairro em Duque de Caxias e o trocador disse Jesus te ama – eu estava com minhas guia no pescoço e meu ojá na cabeça. - então eu lhe disse – Oxalá nos ama a todos – ele ficou indignado e iniciou um discurso religioso, uma verdadeira pregação em nome de Jesus para que eu um dia pudesse conhecer a Jesus e o aceitasse em meu coração, na minha vida. Fiquei surpresa com a atitude das outras pessoas no ônibus. Umas cinco pessoas se juntaram a ele para orar pela minha vida. Ao tentar argumentar que o ônibus não era um templo da igreja deles. O trocador, mostrando uma bíblia dizia que o nome de Jesus devia ser pregado a todos os povos, em todas as nações, em todos os lugares em todos os tempos. Diante do clima de animosidade que se formou, desci do ônibus antes do meu ponto de destino. Ao sair ouvia as pessoas dizerem quase que gritando – repreende senhor.] (RAFAELA)



e) A relação com os organismos públicos

Chama-nos a atenção ainda o fato de muitos dos comportamentos e atitudes de intolerância encontrar respaldo na forma como alguns organismos do Estado se relacionam com os terreiros, lugares de culto das religiões de matrizes africanas. Historicamente o Estado brasileiro desenvolveu, de modo sistemático, descriminação e exclusão em relação a essas práticas religiosas. Alguns órgãos públicos, ainda nos dias atuais, continuam sustentando tais procedimentos, embora a Constituição estabeleça que é papel do Estado a garantia dos direitos do cidadão. O depoimento a seguir ilustra gravidade do problema.

[Existe uma discriminação que é institucional. Organismos como defensoria pública, polícia e prefeitura, afrontam, discriminam e recriminam os terreiros na Baixada Fluminense. Alguns desses órgãos colocam certas exigências para os terreiros existirem, que não são colocadas para as igrejas das demais religiões.] (TEREZA)



A historia do país está repleta de episódios, nos quais, o Estado brasileiro atuou como órgão repressor dos terreiros, prisão das Yalorixás e Babalorixás. Abrir um terreiro era caso de polícia. O seu funcionamento requeria o alvará. Impressiona-nos o fato de que reminiscências de tais práticas possam persistir na atualidade.

As práticas de intolerância e discriminação vão então perpassar os vários setores do poder público até chegar, incrivelmente, no processo de coleta pública de lixo.



[Meu barracão está há muitos anos nessa rua. Mesmo assim a discriminação continua. Aqui para você ter idéia, até o lixeiro discrimina. O caminhão do lixo passa duas vezes por semana na minha rua. Eles pegam o lixo de todo mundo. O lixo do barracão ele não leva.]( MARIA)



O desabafo dessa Yalorixá demonstra sua consciência apurada a respeito dos processos de intolerância e discriminação. A percepção das “sutilezas” nas práticas e atitudes no cotidiano social revelam o grau de humilhação a que são submetidos os que, como ela, professam suas vivências de fé a partir do terreiro.



f) Religião para religião

Os participantes das religiões de matrizes africanas que já encontram tantas dificuldades nas esferas das relações sociais, quando se trata de relacionar com outras denominações de fé, os problemas e dificuldades são ainda maiores. Algumas concepções de Deus presentes em muitas denominações religiosas acabaram se apropriando da “verdade” religiosa. A absolutização da verdade como realidade presente apenas na sua religião tem criado muitos problemas e aumentado a intolerância em relação ao diferente. O depoimento a seguir nos revela como algumas denominações religiosas tratam as pessoas que participam de terreiros.



[O Barracão onde freqüento, na esquina tem uma igreja cristã e sempre que passamos em frente à igreja o pastor aumenta consideravelmente a música, com louvores direcionados a nós, dizendo que somos filhos do diabo, que devemos ir para a casa de Deus, que onde nós estamos não é a casa de Deus que não há nada que preste. Isso nos dias de função, quando estamos todos lá, e não acontece só comigo, e sim com todos os que fazem parte da nossa religião. (…) Todos nós nos preparando para uma festa bonita e alguém que se diz seguidor de Cristo dizendo que íamos queimar no fogo do inferno, proferindo coisas negativas, muito ruins, coisa horrível.] (CLAUDIA)



As dificuldades em reconhecer o direito da liberdade de expressão religiosa estão associadas por um lado, aos preconceitos em relação às manifestações de fé dos negros na sociedade brasileira e ao proselitismo – o desejo de aumentar o número dos fiéis de uma determinada denominação religiosa. Por outro lado, afirma Silva, o combate às religiões de matrizes africanas,



parece ser uma estratégia para monopolizar seu principal bem no mercado religioso, as mediações mágicas e a experiência do avivamento- em forma de êxtase religioso-, transformando-o em um valor interno do sistema neopentecostal (…) o reconhecimento de um valor no outro que poderá servir aos meus caprichos induz a implementação de estratégias de apropriação dos mesmos(SILVA,2006, p.208-209)



Com base nas afirmações de Silva é possível vislumbrar uma compreensão do porque das seções de descarrego – prática das religiões desenvolvidas nos terreiros, tomarem tamanha significância nos cultos realizados pelas denominações neopentecostais.

Ainda que no presente texto, os dados apresentados sejam parciais, os detalhes revelados pela pesquisa atestam a necessidade de envidar esforços em prol de mundo onde as diferenças sejam compreendidas apenas como diferenças; um mundo onde a dignidade das pessoas seja marco regulador do diálogo e das relações humanas. Em um contexto de pluralidade cultural e religiosa como é caracterizada a sociedade brasileira, o respeito às diferenças é condição si ne qua non para uma digna convivência social.

“Para Além dos Muros do Ilê: experiências e vivências da intolerância religiosa” é uma contribuição trabalhada na perspectiva do respeito e valorização do outro.

Referências bibliográficas:



BARROS, José Flávio Pessoa de. Na minha casa: prece aos orixás e ancestrais. Rio de Janeiro: Pallas, 2003.

CARVALHO, João Eduardo Coin de. Violência e Sofrimento Social: a resistência feminina na obra de Veena Das. In: Saúde Soc. São Paulo, v.17, n.3, p. 9-18, 2008.

CEHILA , Comissão de Estudos da Historia da Igreja na América Latina. Escravidão Negra e Historia da Igreja na América Latina e no Caribe. Petrópolis: Vozes, 1987.

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2006.

FRISOTTI Heitor. Comunidade Negra – Evangelização e Ecumenismo. Caderno de pesquisa 1, Salvador: 1992.

GOFFMAN, Erving. Estigma, notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4ª edição, Rio de Janeiro: LTC, 2008.

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LENDA- O VALOR DO TRABALHO

    Certo dia Orunmilá resolveu visitar um amigo que morava muito longe.


    O Orixá tinha o endereço do amigo, mas não sabia como chegar à sua casa, que ficava no interior de uma floresta muito densa.
     Em busca de sua meta, Orunmilá acabou se perdendo e, andando a esmo, dava voltas e acabava chegando sempre ao mesmo lugar.
    Cansado e desalentado, estava a ponto de desistir quando, providencialmente, encontrou Exu, que andava por aquelas bandas.
- Aború, Boiyè, oh! – saudou o adivinho cordialmente. E, Exu, também com cordialidade, respondeu:
- Boxixê oh!
- Que bom encontrá-lo, Exu! Disse Orunmilá. – Há horas estou perdido nesta floresta, para onde vim em busca da casa de um amigo. Ando, ando, e acabo sempre voltando ao local de partida.
- Isto é muito comum às pessoas que, como tu, não estão acostumadas a caminhar dentro das florestas. Andam em círculos e acabam sempre no local de onde partiram – confortou Exu.
- Conheces bem esta floresta? – perguntou Orunmilá
- Sim! – respondeu Exu. – Conheço-a tão bem como a palma de minha mão direita!
- E a casa de eu amigo, sabes onde fica?
- Certamente que sim! Pouco antes de encontrar-te passei diante dela e posso assegurar-te que não fica muito distante daqui!
- Neste caso, Exu, que tal se me levasse até lá? Como sabes, vim de muito longe e já estava a ponto de desistir da visita quanto te encontrei. Se fizeres o favor de conduzir-me, ficar-te-ei muito grato, pois não terei perdido o meu tempo, que, como sabes, é muito valioso.
-Sabe o que é, Orunmilá? – disse Exu com ar matreiro. – Estou com muita pressa. Vou a uma reunião de negócios onde muito dinheiro está em jogo. Se não chegar em tempo, provavelmente sofrerei algum prejuízo de ordem financeira e, sabes muito bem, detesto perder dinheiro.
- E se eu te pagar para me conduzires? Diga quanto queres e estarei pronto a recompensa-te – respondeu Orunmilá, que já havia compreendido as intenções de seu interlocutor.
- Já que insistes tanto, poderei te levar à casa do teu amigo se me pagares a importância de 16 caurís.
   Como? Perguntou o Oluô com espanto – Dezesseis caurís? Não achas que é demais Exu? Dezesseis caurís é o valor que cobro por minha adivinhações e tu nem ao menos sabes Ifá!
-É verdade, Orunmilá. Eu não sei Ifá! E tu, grande sabichão, por acaso sabes o caminho?
-Sem dizer mais nada, Orunmilá tirou de sua capanga os 16 caurís, entregando-os a Exu, que, prontamente, conduziu-o à casa do se amigo que, como dissera, estava muito mais próximo do que podia imaginar o adivinho.
    Desta forma, Exu ensinou uma coisa a Orunmilá: cada um é importante naquilo que sabe fazer com perfeição. Não existem profissões mais ou menos importantes que as outras.
  To homem [ e mulher] que, com dedicação, exerce e dignifica o seu trabalho, deve ser recompensado, não cabendo a ninguém estabelecer o valor do mesmo.